A contramão da opinião pública sobre dolo e culpa em acidentes de trânsito

O noticiário brasileiro lida diariamente com tristes histórias de acidentes de trânsito. Não à toa, nosso trânsito é o quarto mais violento de toda a América Latina, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Há claramente um problema de saúde pública, que se agrava pela embriaguez ao volante, responsável por inúmeros destes acidentes. Neste cenário, é natural que a opinião pública se revolte, clamando por dura punição aos responsáveis. O direito penal se torna centro do debate pelo clamor público da prisão. 

Mais um capítulo desta história foi escrito no último dia 23. Um cidadão, que saia de uma festa ao clarear do dia, entrou na contramão da Avenida Fernandes Lima em Maceió e provocou uma tragédia, deixando duas vítimas fatais e outra gravemente hospitalizadas. 

Em relação às primeiras, o autuado em flagrante delito deve responder por duplo homicídio culposo. Caso comprovado o estado de embriaguez, a pena é qualificada, indo de cinco a oito anos de reclusão (art. 302, §3º do Código de Trânsito Brasileiro).

Aflitas, muitas pessoas se perguntaram por qual motivo a autuação foi por homicídio culposo. Ora, como alguém que embriagado, dirige na contramão em alta velocidade e mata duas pessoas pode responder por um crime culposo?

Entendemos e respeitamos a inquietação, mas ela está na contramão da lógica e da lei.

Comecemos pela primeira. O que significa agir por dolo ou por culpa?

O dolo, em resumo, deve ser entendido como a intenção de obter aquele resultado específico pelo agente causador. Antes de iniciar sua ação o autor deve prever e desejar o resultado. Já na culpa, o agente pode até prever o resultado (culpa consciente), mas não o desejava, acreditava que não iria alcançar. Logo, agiu por imprudência, imperícia ou negligência.  

Há um liame entre ambos chamado de dolo eventual. Aqui o agente prevê o resultado, mas o aceita. Age com indiferença. Não esboça esperança de que o resultado não aconteceria. Difícil imaginar indiferença quando o próprio motorista poderia ser afetado fatalmente no acidente.

Busquemos a lei.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) tipifica o homicídio culposo na direção de veículo automotor em seu art. 302. Continuamente descreve causas de aumento da pena: não possuir habilitação; deixar de prestar socorro, etc. Mais a frente qualifica a pena quando “o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

Ou seja, a lei presume que, ao estar embriagado, o motorista não tem intenção do resultado, agindo por culpa, ou precisamente, com imprudência. É possível acontecer o oposto? Sim, plenamente. Mas são necessários elementos que indiquem que o condutor não tinha esperanças de obter resultado diverso, sendo-lhe indiferente.

Portanto, o julgamento moral nem sempre é o mais justo.