Em 1936, Graciliano Ramos, preso em março do mesmo ano pelo regime getulista, viu do cárcere seu romance Angústia ser publicado. A obra conta em primeira pessoa, a história de Luís da Silva, um funcionário público, representação da classe média da Maceió dos anos 30. Luís, impotente frente a um mundo hostil onde as liberdades democráticas eram cada vez mais cerceadas e esmagado pela lógica capitalista que aliena e destrói as possibilidades da felicidade humana, assassina Julião Tavares, personificação da burguesia que retira do restante da população as poucas chances de acessar à felicidade. Julião Tavares conquista e engravida Marina, moça que estava com casamento encomendado com Luís. Cometer o homicídio foi a forma que Luís utilizou para se destruir. Ao matar seu antagonista ele também morreu.
Lêdo Ivo, por sua vez, lançou em 1973 – em meio a ditadura militar – seu romance Ninho de Cobras. O livro também é ambientado na Maceió dos anos 30, durante o Estado Novo (1937-1945) período mais duro dos anos em que Getúlio esteve no poder. Impedido de criticar o regime ditatorial dos militares, Ivo recorreu à analogia para contar o clima de repressão e desesperança que o Brasil vivenciara durante aqueles anos. A personagem Alexandre Viana, a representação da classe média de Ivo, impotente e alienada da sociedade da época tal qual Luís da Silva, recorreu ao suicídio como fuga.
Essa incapacidade de adequação das personagens não é acidental e fantasiosa. No mundo atual poucos são os que acessam as benesses do capital, restando aos outros a exploração e a angústia em suas múltiplas faces. A classe média sofre uma condição peculiar, incapaz de avançar no nível social e temerosa de cair na desgraça da proletarização, vive eternamente em pavor. Pavor esse capturado por ideologias fascistizantes. Vimos isso nos anos 30 do século passado e vemos novamente nos dias atuais. Para piorar a situação, disse certa vez um autor alemão que a classe média (a pequena burguesia) é incapaz de apresentar um programa social, precisando então escolher um lado na disputa entre capital e trabalho.
O último domingo (07 de julho) o mundo acompanhou angustiado mais um capítulo dessa luta secular. A extrema-direita francesa, a maior vitoriosa no primeiro turno das eleições parlamentares realizada em 30 de junho, era a favorita para vencer o segundo turno e controlar o parlamento do segundo país mais importante da União Europeia.
Tudo parecia caminhar bem para os partidários de Le Pen se não fosse um pequeno porém, a união das esquerdas e a construção de uma Frente Popular. Em menos de um mês esse conjunto de partidos conseguiu mobilizar a juventude e os moradores dos bairros periféricos das cidades francesas (sobretudo Paris) e saíram como os grandes vencedores do segundo turno, com 182 cadeiras conquistadas. A extrema-direita obteve 143 cadeiras e o grupo do presidente Macron elegeu 168 representantes.
Na França de 2024, à beira da ameaça fascista, a classe média optou por seguir a classe trabalhadora e rejeitar a extrema-direita. Nos distritos ao redor de Paris, Rennes, Nantes, Lion, Rouen e Bordeaux, a Frente Popular obteve suas vitórias. Na maioria desses locais em que a esquerda não saiu vencedora, a coalização liderada por Macron elegeu seus deputados. A angústia vivida pelo povo francês entre os dias 30 de junho e 7 de julho transformou-se em alegria, observada nas praças de Paris e em outros grandes centros urbanos.
Em tempo, este ano teremos no Brasil as eleições municipais. Nosso país ainda vive na sombra angustiante do bolsonarismo, nossa versão fascistóide. Restará a classe média brasileira escolher uma das duas opções: ou a preconizada pelos romancistas alagoanos ou a apontada pelos franceses.
POR GUILHERME MORAES- CIENTISTA POLÍICO