Estou bem próxima de completar 60 anos e os efeitos disso são vistos e sentidos com maior ou menor clareza. O uso constante dos óculos permite acompanhar as mudanças físicas, sendo o sobrepeso a que mais impacta na visão ampliada pelo uso das suas lentes.
O peso também é sentido nos joelhos, que devido a anos de sedentarismo, recusa-se a realizar movimentos contínuos que lhes exijam força, somados a desconfortos na região inguinal provavelmente causados pela tendinite nos glúteos. Mas assim como Mário Quintana considero “que existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época em que é possível sonhar e fazer planos… Essa idade tão fugaz na vida da gente, chama-se presente e tem a duração do instante que passa”.
Embora pensar assim traga um sentido de pressa, nas condições que estou substituo por previsões de que o presente se renovará e que a corrida não me traria benefícios extras. Assim, os planos são de longo prazo. Continuo pacientemente tentando me conhecer melhor. Como na canção eternizada na voz de Milton Nascimento, Caçador de Mim, ando a me procurar insistentemente e para minha surpresa “vou me encontrar longe do meu lugar”.
A investigação a que me propus tem objetivos claros: melhorar como ser humano e ser feliz. É um plano ambicioso, eu sei, mas é hora de enfrentar desafios que somente a maturidade suporta, entre eles a de que você não realiza mudanças significativas sozinha, e que lugares, pessoas, estilos que não te encantam têm lições a serem aprendidas. É necessário, portanto, visitá-los.
Não significa que a partir de hoje estarei abrindo mão do encantamento. Creio que isso afetaria negativamente a minha saúde mental. Mas exercitarei movimentos contrários a Narciso “que acha feio tudo que não é espelho”. Apenas advirto que haverá sempre pessoas, lugares, estilos e opiniões que definitivamente não entrarão no espaço sagrado da minha paciência. Perdoem-me! Ainda estou na procura de uma versão melhor de mim mesma.
E foi sendo anti narcisista que me permiti ler um livro aparentemente sem atrativos para mim. Fui surpreendida pela presença do meu retrato em suas páginas, sem que o texto possuísse imagens. Disse a autora Ana Suy em ‘Não pise no meu vazio’: é tão quentinho o laço que faço comigo, do qual ninguém participa. Mas me sou tão insuficiente… (Todavia) Há algo de extremamente sedutor no (meu) silêncio… o silêncio carrega consigo todas as palavras do mundo… Digo silêncios para dizer coisas opostas ao mesmo tempo sem me contradizer. Quando digo palavras minhas ambiguidades ficam escancaradas. Preciso me proteger de mim.
Meus silêncios são lugares seguros e muito confortáveis, isso eu já sabia. O que Ana Suy trouxe foi a descrição da alteração de consciência a qual me submeto, nestes momentos: é como um transe… Só saio dele quando alguém deixa a realidade tão intolerável que sou agressivamente convocada a interagir … Ao sair do meu estado pseudohipnótico não desejo mais retornar a ele. Mas se a realidade se estabiliza, lá estou eu de novo.
Engana-se, entretanto, quem aposta na neutralidade desses instantes e nisso me diferencio da autora quando afirma que são períodos que não deixam marcas. Saio fortalecida deles porque me convenço do que sou, embora a cada retorno do transe seja alguém diferente. E aos quase sessenta temo não ter me tornado bruxa nem perua, como afirmava a grande Rita Lee. Não sou iluminada com os saberes das primeiras, nem possuo a disposição para buscar a juventude eterna das segundas, desejaria mesmo era “descobrir o que me faz sentir eu caçador(a) de mim”.
Mas se me procurar é minha ‘sina’ decidi agora trilhar caminhos não encantados e estou espantada com as descobertas. Admirada com a imagem refletida quando me posiciono diante do espelho alheio. Às vezes, alegro-me com o que vejo. Na maior parte do tempo, no entanto, faço-lhe duras críticas. E você? Já experimentou abrir mão das suas preferências? Desobedecer aquilo que sempre considerou importante e se aventurar em vias desencantadas para se ver refletida em telas estranhas? O que encontrou?