Era outono e fazia frio quando a carroça do carrasco Charles-Henry Sanson
cruzou as ruas de Paris em direção à Praça da Revolução. O calendário marcava 3 de
novembro de 1793 e a dramaturga e ativista francesa Olympe de Gouges,
condenada pelo Tribunal Revolucionário sem uma defesa justa, seguia para o
patíbulo. Horas depois a lâmina pesada da guilhotina cortaria a cabeça daquela que
seria considerada a pioneira do feminismo.
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. Assim começava a
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, panfleto de autoria de Olympe de
Gouges, publicado em 1791, no centro de um dos movimentos revolucionários mais
significativos da história. A ousadia de questionar a República Jacobina e reivindicar
a emancipação feminina lhe custou a vida. Hoje, seu busto em mármore está na
Assembleia Nacional da França e em Paris há uma praça com seu nome.
A luta dos movimentos feministas vem de longe e os caminhos nunca foram
fáceis. A Assembleia Geral da ONU proclamou o ano de 1975 como o Ano
Internacional da Mulher, promovendo ações em prol da igualdade de direitos,
oportunidades e tratamento entre homens e mulheres. Em 1977, a ONU oficializou
8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
O objetivo é celebrar as conquistas e propor soluções para superar os obstáculos
que ainda atrapalham a igualdade social e de direitos entre os sexos. Afaste-se
qualquer pensamento absurdo de que se trata de uma concessão feita às mulheres.
São conquistas duramente obtidas para corrigir uma antiga, injusta e muitas vezes
cruel estrutura patriarcal.
Ao discursar na ONU, em 2013, Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da
Paz aos 17 anos de idade, lembrou que, ao assumirem a luta, o tempo em que as
mulheres pediam aos homens para lutar pelos direitos delas ficou para trás.
Não existe democracia sem participação popular e muito menos sem
participação feminina. As mulheres brasileiras tiveram coragem para ocupar o
espaço cívico. A primeira eleitora do Brasil foi a professora Celina Guimarães, que se
alistou em 1927, no Rio Grande do Norte. A professora Carlota Pereira de Queirós
foi a primeira brasileira eleita deputada federal, em 1934. Também professora,
Antonieta de Barros se elegeu deputada estadual em Santa Catarina, sendo a
primeira mulher negra a assumir e exercer um mandato eletivo, no período de 1934
a 1937.
A professora Eunice Michiles foi a primeira senadora, em 1979. Após cumprir o
mandato, se elegeu deputada federal pelo Amazonas e participou da Assembleia
Nacional Constituinte de 1987. Iolanda Fleming, professora, foi a primeira
governadora de um estado brasileiro, o Acre. Dilma Roussef foi a primeira
presidente da República, eleita em 2010 e reeleita em 2014. Em 2019, Joênia
Wapichana foi a primeira indígena a tomar posse como deputada federal.
Bertha Lutz, diplomata brasileira, se destacou como uma das mais notáveis
líderes na luta pelos direitos políticos das mulheres. Sua atuação na Conferência de
São Francisco, nos Estados Unidos, foi decisiva para a previsão da igualdade de
direitos entre homens e mulheres na Carta das Nações Unidas, de 1945.
Em 1827, as mulheres brasileiras passaram a frequentar colégios e ir além da
escola primária. Em 1879, conquistam o direito ao ensino superior. Em 1910, a
professora Leolinda Daltro e a poetisa Gilka Machado fundam o Partido
Republicano Feminino e três jornais dedicados às mulheres. O Código Eleitoral de
1932 garantiu às brasileiras o direito ao voto. Na França, conhecida como berço do
feminismo, esse direito só foi instituído em 1944.
Outros avanços merecem referência. O Estatuto da Mulher Casada, de 1962,
entre outros pontos, acabou com a exigência da autorização do marido para
trabalhar. Em 1988 a Constituição Federal reconheceu a igualdade de direitos entre
homens e mulheres. Em 2006 veio a Lei Maria da Penha e em 2015 a Lei do
Feminicídio. Em 2018 a importunação sexual feminina foi tipificada como crime. Em
2021 foram instituídas regras para prevenir, reprimir e combater a violência política
contra a mulher.
Alagoas foi importante nesse caminho. Podemos citar, entre outros nomes que
contribuíram com coragem, inteligência e abnegação para causa feminina, cada
uma a seu modo: Nise da Silveira, Lili Lages, Linda Mascarenhas, Anilda Leão, Jarede
Viana e a jornalista Almerinda Gama.
Em Arapiraca, com os esforços de Luciano Barbosa foi instituído o Memorial da
Mulher. Inaugurado em 2008, se consolidou como espaço de preservação da
trajetória de mulheres arapiraquenses que tiveram destaque no desenvolvimento
político e sociocultural de Alagoas, a exemplo de Ceci Cunha e Célia Rocha.
Ao lado dos nomes citados neste artigo, deve-se aplaudir a atitude de milhões de
mulheres, anônimas, que mesmo em situação de vulnerabilidade não se
intimidaram e se opuseram ao preconceito, ao machismo, à misoginia e à violência
doméstica.
Não obstante as relevantes conquistas alcançadas na luta pela igualdade de
direitos entre homens e mulheres, é preciso ir além. Ir além no mercado de
trabalho, abrangendo desde a necessidade de maior representatividade nos postos
de liderança nas empresas até a eliminação da discrepância salarial entre os sexos.
Observa-se, ainda, que as mulheres negras são vítimas de dupla discriminação,
tornando mais abjeto o tratamento desigual.
Registre-se que as mulheres representam 70% dos trabalhadores de saúde no
mundo e foram verdadeiras heroínas no momento mais grave da pandemia de
2020. Elas também fazem o triplo do trabalho não remunerado de cuidados prestados pelo homem .
Apenas em 1979, as mulheres garantiram o direito de jogar futebol. Agora em
2023 haverá a Copa do Mundo de Futebol Feminino na Austrália e Nova Zelândia,
com 32 seleções. O Brasil mais uma vez estará na disputa, com a alagoana Marta,
desde sempre a melhor do mundo. Natural de Dois Riachos, Marta Vieira da Silva é
Embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres e Defensora dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável da ONU.
É fundamental abrir mais espaços até alcançar a desejada igualdade de direitos e
oportunidades entre homens e mulheres, sem qualquer discriminação. Por outro
lado, é indispensável festejar os avanços obtidos, de olho nos processos de
degradação da democracia, que precisam ser repelidos em sua origem pois, como
advertiu Edgard Morin, nenhuma conquista histórica é irreversível. Daí a
importância do Dia Internacional da Mulher.
Daniel Barbosa é publicitário e deputado federal por Alagoas.