DIÁRIO DA DOR

Hoje, imprimo, como em todos os outros dias, sofrimento nas pessoas. Não me culpem, eu sou o alerta de que algo não está bem. Quando recente, recebo o nome de aguda. Mas se demoro um pouco mais, passo a ser chamada de crônica. 

Não gosto nem do primeiro, nem do segundo nome. Gostaria de ser lembrada pela minha função. Certamente teria um nome como protetora, defensora e talvez alguns, os mais gratos, até me chamassem de amiga.

 Ainda assim juro que entendo a pressa que possuem de se livrarem de mim, na verdade de se libertarem daquilo que me causa. Por isso, não foi com surpresa que vi, após as eleições de 2018, milhões de brasileiros e brasileiras decidirem que ninguém soltaria a mão de ninguém, porque era a única forma de suportar a minha quase onipotência. 

Sim, nestes últimos quatro anos as inúmeras causas me potencializaram e, confesso, assustei-me com a capacidade de destruição dos homens e mulheres de fé e da política. E já que resolvi revelar minhas angústias, devo dizer-lhes que as lesões no tecido social me levam à exaustão. Eu própria não suportava mais. Todavia, sei que esse não é o meu lugar de fala e, embora o compreenda, não me sinto autorizada a emitir opiniões. 

Assim, decidi ouvir com atenção o desabafo da jornalista Flávia Oliveira quando comentava a vitória maiúscula do Presidente Lula: “medidos nas pesquisas, as mulheres nunca arredaram o pé; os negros nunca arredaram o pé; os pardos nunca arredaram o pé; os pobres nunca arredaram o pé; o Nordeste nunca arredou o pé; os religiosos de matriz africana; os indígenas; os LGBTQIA+ nunca arredaram o pé. Então foi uma vitória também maiúscula de uma união das minorias ou das maiorias menorizadas, esculachadas esses anos todos, muito esculachadas. Cada um de nós sabe o que passamos de ataque, de risco, de luto, de empobrecimento, de fome… foi muito difícil atravessar… se manter de pé e continuar caminhando de mãos dadas com muita gente que sofreu, mas não arredou o pé do compromisso com a democracia. Não se corrompeu…ninguém se vendeu, isso é muito importante, isso é de uma beleza, de uma sabedoria e de uma força de caráter impressionante”. Ninguém soltou a mão de ninguém.

No Gregnews, Duvivier pergunta se já pode soltar as mãos. Eu aconselho que não. Os progressistas lutaram até o dia 30 apenas para não serem impedidos de defenderem seus direitos. A batalha pelos direitos inicia agora e não será fácil. 

A conjuntura política exigiu a formação de uma ampla Frente Democrática e, dentro dela, há interesses conflitantes. Além disso, os espaços no orçamento brasileiro para os que não arredaram o pé foram drasticamente reduzidos. 

Segundo nota técnica das consultorias do Senado e da Câmara sobre o projeto da Lei Orçamentária para 2023, encaminhado ao Congresso pelo governo Bolsonaro, os recursos para a saúde é o menor dos últimos 10 anos. E o ensino básico receberá um valor 70% menor do que recebeu em 2012. 

Tem apenas 22 bilhões de reais para investimentos e esse valor é insuficiente para manter e conservar o patrimônio público existente, assim como não há recursos para a continuação das obras em andamento. 

Também não foi fixado o valor de 600 reais para o programa de transferência de renda que volta a ser chamado de Bolsa Família. Além de tudo isso, há uma renúncia em torno de 600 bilhões de reais de receitas tributárias e benefícios financeiros e creditícios concentrados no Sul e Sudeste, contrariando um dos dispositivos constitucionais que obriga buscar a redução das desigualdades regionais.

Não,  vocês não podem soltar as mãos. A luta para que aqueles que não arredaram o pé tenham espaço no orçamento, exigirá de vocês militância organizada. Desculpe-me o sofrimento prévio, é  minha função chamar a atenção para o que está ferido.

Entretanto, não se furtem de comemorar porque estou com saudades da mistura de sensações que subia e descia comigo as ladeiras de Olinda. Ah! Juntas fazíamos também o circuito de Ondina; sem abrir mão do samba, no Rio de Janeiro; da festa dos bois, Garantido e Caprichoso, de Parintins; dos rodopios ao som dos tambores maranhenses e do balanço do coco de Alagoas.  Por fim, somente para você que chegou até aqui vou confidenciar – estávamos juntas na Avenida Paulista, no último dia 30, e foi lindo!!!