Doutor Gama: filme mostra como Luiz Gama libertou escravos no século 19

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Cerca de dez escravos africanos se reúnem esperançosos enquanto aguardam a chegada de Luiz Gama, na porta de sua casa. Com um sorriso no rosto, sua esposa, Claudina Fortunato Sampaio, antecipa ao advogado em início de carreira: “São seus novos clientes”. A cena do filme Doutor Gama, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (5), é simbólica: estima-se que o intelectual negro, considerado um dos patronos da abolição da escravidão no Brasil, tenha proporcionado a libertação de não só dez, mas centenas de pessoas contrabandeadas ao país no século 19.

A estratégia judicial por trás de tantas alforrias é um dos enfoques da cinebiografia dirigida pelo cineasta brasileiro Jeferson De. Na produção, roteirizada por Luiz Antônio, o público é levado de volta à década de 1870, quando a Lei Feijó ainda vigorava em solo brasileiro. Instituída em 7 de novembro de 1831 pelo Império “para acalmar os ingleses” — como resume em um diálogo do filme o personagem Gama, interpretado por César Mello —, a norma determinava a proibição do tráfico de africanos no país.

Na prática, no entanto, o fracasso do mecanismo legal foi tamanho a ponto de dar origem à expressão popular “para inglês ver”: embora embarcações inglesas patrulhassem a costa brasileira à procura de navios negreiros, sabe-se que mais de 700 mil africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil entre 1831 e a data que marcou a abolição da escravidão de fato, em 13 de maio de 1888.

Ofuscada pelos interesses econômicos do Império, a Lei Feijó foi trazida à tona por Luiz Gama, que se dedicou a reunir provas capazes de demonstrar que as pessoas contrabeadas após o decreto eram, na verdade, escravas ilegais. Em carta endereçada ao magistrado brasileiro Lúcio de Mendonça no ano de 1880, o advogado estima que, àquela altura, já havia encabeçado mais de 500 processos judiciais, libertando do cativeiro centenas de africanos.https://a238a81c5d2691ce0cb0407deb6dc65b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mas sua enorme contribuição para a abolição da escravidão no Brasil ainda não é de todo conhecida no país. “Eu não tinha ouvido falar de Gama nem na escola, ele não estava nos meus livros didáticos. Me perguntei ‘por que esse cara foi apagado?’”, conta César Mello, em entrevista coletiva da qual GALILEU participou. “Eu ouvi falar de Joaquim Nabuco, José Bonifácio, Rui Barbosa, que são figuras importantes para o movimento [abolicionista], mas não de Luiz Gama. E ele influenciou essas pessoas!”, observa o ator Angelo Fernandes, que assume o papel de Gama em sua juventude na produção (veja o trailer).

Escravizado e autodidata

Nascido em 21 de junho de 1830, em Salvador, Luiz Gama era filho de uma mãe negra liberta (interpretada no filme por Isabél Zuaa) e um pai fidalgo português, que o vendeu como escravo quando o menino tinha apenas 10 anos de idade para sanar uma dívida de um jogo de azar. A criança foi então encaminhada a uma fazenda em Limeira, no interior paulista, onde permaneceu até os 17, quando conseguiu reunir provas de que havia nascido livre e fugiu do cativeiro.

escravos e proprietários de terras, serviram de inspiração para o julgamento que compõe a trama de Doutor Gama. Na cinebiografia, o advogado baiano é o único negro entre dezenas de magistrados que avaliam o caso do escravo José (Sidney Santiago) que, após ter flagrado seu senhor violentando física e sexualmente sua esposa — também escrava —, decide assassiná-lo a facadas.

Fonte: Revista Galileu