Em entrevista ao site Arapiraca News, Geraldo Magela Pirauá compartilhou sua trajetória de vida, marcada pela dedicação à justiça, à literatura e à cidade de Arapiraca. Natural de Porto Calvo, Alagoas, ele relembra sua infância, os desafios do início da carreira e a longa jornada no Ministério Público. Com humildade e seu vasto conhecimento, Magela reflete sobre o poder, a importância da educação e as transformações da sociedade ao longo dos anos, trazendo uma visão crítica e humanista sobre as mudanças que presenciou.
Apaixonado por livros desde a juventude, ele destaca a leitura como parte essencial de sua vida. Entre seus autores preferidos, figuram grandes nomes da literatura, como Graciliano Ramos, Dostoiévski, Victor Hugo e Machado de Assis. Para ele, “ser culto e sábio seria o ideal. O sábio é humilde; o culto, nem sempre.”
Confira a entrevista na íntegra:
Arapiraca News – Quando você nasceu?
Magela Pirauá – Nasci no dia 23 de agosto de 1949, na histórica cidade de Porto Calvo, Alagoas. Porém, no meu registro civil consta 26 de agosto.
Arapiraca News – Seus pais eram ricos?
Magela Pirauá – Não. Meu pai era um homem muito preparado intelectualmente. Ao morrer, aos 55 anos, de infarto, não deixou nenhum bem. Minha mãe sobreviveu com uma pensão de meio salário mínimo e a ajuda de seus irmãos.
Arapiraca News – Como foi sua infância?
Magela Pirauá – Estudei todo o curso primário em escola pública. O ginásio e o colegial fiz em Maceió com bolsa de estudos e a ajuda de meus tios e tias, irmãos de minha mãe.
Arapiraca News – Quando você começou a trabalhar?
Magela Pirauá – Aos treze anos, na padaria de meu avô, pai de minha mãe, em Porto Calvo, aos domingos. Aos dezessete, na mercearia de meu tio, no bairro do Poço. Aos dezoito, trabalhei em uma empresa de seguros. Aos vinte, no Banco Nacional de Minas Gerais. Depois, atuei como professor no Cesmac e no Cesama, ensinando Direito aos alunos dos cursos jurídicos. Comecei a trabalhar como advogado, a partir de 1975, e como promotor, a partir de 1978, durante 42 anos. Exerci e ainda exerço a advocacia.
Arapiraca News – Você exerceu outros cargos e funções?
Magela Pirauá – Fui Corregedor-Geral do Ministério Público, integrei o Colégio de Procuradores de Justiça (órgão deliberativo do Ministério Público), durante 22 anos, e coordenei o Centro de Apoio do Ministério Público em Arapiraca, abrangendo todo o agreste alagoano. Fui membro do Conselho Estadual de Segurança Pública, durante quatro anos, e do Conselho Municipal de Entorpecentes, em Arapiraca. Também participei do Lions Clube de Arapiraca e do Rotary Clube de Arapiraca. Sou membro da maçonaria. Fui, também, provedor de uma instituição filantrópica.
Arapiraca News – Você se sentiu importante exercendo esses cargos e funções?
Magela Pirauá – Em nenhum momento me senti importante. Apenas passei a ter mais responsabilidades.
Arapiraca News – Como foi sua vinda para Arapiraca?
Magela Pirauá – Em março de 1974, no ano de minha formatura, para passar sessenta dias.
Arapiraca News – Seu começo em Arapiraca, como foi?
Magela Pirauá – Não conhecia ninguém. Vim com Alânio, colega de faculdade, que trouxe uma carta de apresentação para o senhor Francisco Pereira.
Arapiraca News – Como foi sua vida em Arapiraca?
Magela Pirauá – No início, muitas dificuldades. Fui morar, recém-casado, na rua Bela Vista, em casa alugada à Dona Ana, esposa do senhor Francisco Pereira. Residência muito simples. Os quartos não tinham portas. Houve espaços vazios e não tínhamos móveis para todos os lugares da casa, sequer geladeira.
Arapiraca News – O senhor foi nomeado promotor de justiça como? Fez concurso?
Magela Pirauá – Sim. Passei em 22º lugar.
Arapiraca News – O senhor foi promotor em Arapiraca. Como foi sua atuação?
Magela Pirauá – Trabalhei muito. Não havia assessores, como hoje. Fazia muitos júris. Fiz júris de grande repercussão. Fiz, como promotor, mais de cem júris. Fiquei muito conhecido.
Arapiraca News – Quais os júris mais importantes que você atuou como promotor?
Magela Pirauá – Foram vários. Lembro do Júri em que figurou como vítima o Prefeito de Campo Grande, José Paulo Moura, político e pessoa muito conhecida no estado, e carismática. E como acusado, o sargento Moreira. Neste júri ele foi condenado. O Clube dos Fumicultores lotou. Isso se deu em 1982. O Clube dos Fumicultores foi palco de grandes acontecimentos sociais, políticos e jurídicos. Ali estava parte da história de Arapiraca.
Arapiraca News – Qual a população de Arapiraca quando o senhor chegou, há cinquenta anos?
Magela Pirauá – Em torno de 50.000 habitantes. O prefeito era Higino Vital, pessoa muito simples e carismática.
Arapiraca News – Qual a maior virtude do ser humano?
Magela Pirauá – A humildade.
Arapiraca News – Soube que você lê muito e escreve. É verdade?
Magela Pirauá – Sim. Leio bastante. Gostaria de ler mais e escrever mais ainda. Quando escrevo e leio, ouço música clássica.
Arapiraca News – Entre ser culto e ser sábio, qual o melhor?
Magela Pirauá – Sabedoria e cultura são coisas distintas. Cultura é conhecimento. Sabedoria é bom senso, ideia precisa do justo. Equilíbrio. Sou adepto do estoicismo que nos ensina o valor da sabedoria. Ser culto e sábio seria o ideal. O sábio é humilde, o culto nem sempre.
Arapiraca News – Quais os grandes escritores alagoanos que você lê e recomenda?
Magela Pirauá – Alagoas, no passado, teve grandes escritores, que considero de grande valor para a literatura brasileira. Dentre eles, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo – este se tornou imortal da Academia Brasileira de Letras – e o nosso grande poeta Jorge de Lima, que teve todos os atributos intelectuais para integrá-la. Não podemos olvidar o dicionarista Aurélio Buarque, excelente contista. Não poderia esquecer de Breno Acioly, Adalberon Cavalcanti Lins, Dirceu Lindoso. Todos leio com frequência. Na atualidade, temos a grande Vera Romariz, Heloísa Moraes, Carlito Lima, Douglas Apratto, Cicero Pericles, José Isnaldo Alves Paulo, Rostand Lanverly, Rosalvo Acioly, Diogenes Tenório Júnior, excelente poeta, Arriete Vilela, Geraldo de Majella, grande historiador, Joaldo Cavalcanti, Marcos Davi, Luiz Sávio de Almeida, dentre outros, todos estão na minha biblioteca.
Arapiraca News – Que outros autores você indicaria?
Magela Pirauá – Os melhores livros que já li: Dostoiévski, “Crime e Castigo”, “Os Irmãos Karamazov e O Idiota”, são grandes clássicos do autor russo; “Os Miseráveis”, um dos melhores livros que já li, do autor francês Victor Hugo; “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway; “Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, clássicos de Machado de Assis, e não deixaria de indicar o romance “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Também gosto de ler filósofos e cientistas sociais. Indico Fernando Schuller e Eduardo Giannetti. Quanto aos filósofos da escola estóica, Marco Aurélio. Gosto muito de Montaigne, na obra “Ensaios”.
Arapiraca News – Quais os três melhores livros já lidos?
Magela Pirauá – “Crime e Castigo”, “Os Miseráveis” e “O Estrangeiro”. Citaria um quarto: “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago.
Arapiraca News – De autores nacionais?
Magela Pirauá – “Dom Casmurro”, de Machado de Assis; “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto; e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.
Arapiraca News – Tem mais algum?
Magela Pirauá – Acrescentaria “Torto Arado” e “Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira; excelentes romances. Ainda acrescentaria de Albert Camus, “O Estrangeiro”, e de George Orwell, “1984”; os livros de Clarice Lispector, eu os tenho todos. São ótimos, são grandes obras que não deveriam faltar em nenhuma biblioteca, sendo leitura obrigatória.
Arapiraca News – Você foi promotor durante muitos anos e exerceu várias atividades, e ainda hoje, além de escritor, é advogado. Uma pergunta que não sei se é impertinente: o senhor tem inimigos?
Magela Pirauá – Pergunta pertinente e apropriada. Não tenho inimigos. Gosto de compreender as pessoas e, se possível, quando posso, ajudá-las e perdoá-las, se porventura me ofenderem.
Arapiraca News – O senhor já fez alguma coisa que se arrepende?
Magela Pirauá – Devo ter feito muitas coisas equivocadas. Tenho 75 anos. Tudo é aprendizado.
Arapiraca News – Quem é seu herói ou heroína? Seu ídolo?
Magela Pirauá – Minha mãe, pela grandeza de seus gestos em vida. Pelo seu espírito de humildade. Por nunca ter se revoltado pelas situações que enfrentou. Pelo exemplo que deixou como legado.
Arapiraca News – Qual o seu ídolo, fora sua mãe?
Magela Pirauá – Mahatma Ghandi, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá, Chico Xavier e Divaldo Franco.
Arapiraca News – O senhor é espírita?
Magela Pirauá – Não.
Arapiraca News – Qual sua religião?
Magela Pirauá – A do bem.
Arapiraca News – E na música?
Magela Pirauá – Luiz Gonzaga e Chico Buarque. Gosto da música popular brasileira. Sou fã do repente. Quando tem em Arapiraca, não perco um. Adoro a poesia do repente. Gosto, também, da música clássica. Só escrevo ou leio ouvindo Beethoven ou Mozart.
Arapiraca News – O senhor, em determinado momento, ao fazer júris de grande repercussão, atingiu uma notoriedade muito grande e, na época, não havia redes sociais. Pensou em ser político? Em se candidatar?
Magela Pirauá – Pensei. Recebi um conselho que agradeço até hoje, de Severino Leão, que não entrasse. Segui seu conselho e não me arrependo.
Arapiraca News – O que o senhor acha do poder?
Magela Pirauá – Para se lidar com o poder, exige-se humildade e bom senso. A arrogância e a vaidade humana atrapalham. Os exemplos são inúmeros. O poder vicia e ninguém quer deixá-lo.
Arapiraca News – O senhor já deixou de receber alguém?
Magela Pirauá – Nunca deixei de receber. Na minha casa, recebi as mais altas autoridades e as pessoas mais simples. Todas ouviram uma palavra. Já recebi prefeitos, deputados, altos empresários, governador, senador, e pessoas humildes que, com problemas, vieram ouvir uma palavra de orientação. Todos, acredito, foram bem recebidos.
Arapiraca News – Qual o melhor advogado com quem o senhor conviveu?
Magela Pirauá – Sem sombras de dúvida, João Batista Pereira da Silva, advogado de muito talento, habilidoso, culto e muito sábio, e também um bom orador. Lamento que, em que pese ele ter sido prefeito de Arapiraca, não tenha uma praça, nem um nome de rua em sua homenagem. É bem estranho que a OAB, seção de Arapiraca, nunca tenha lhe homenageado. Fui da escola de advocacia do Batista, e, além de mim, Valter Acioly, Wesley e o hoje desembargador Marcio Roberto Tenório.
Arapiraca News – O senhor se sente um homem feliz?
Magela Pirauá – Não há vida, assim creio, onde o ser humano seja permanentemente feliz. Há dias e momentos problemáticos. Tenho uma mulher que amo, quatro filhos que me compreendem, cinco netos maravilhosos, duas noras e dois genros que admiro muito e alguns poucos amigos que prezo de coração. Se ser feliz é isso, diria que sou. Irmãos que amo e cunhados e cunhada que adoro.
Arapiraca News – O senhor se considera um homem rico?
Magela Pirauá – Não. Sou aposentado e recebo um bom salário. Moro na mesma casa há mais de quarenta anos. Vivo de forma simples.
Arapiraca News – Qual a maior tristeza que teve?
Magela Pirauá – A morte da minha mãe.
Arapiraca News – O que o senhor não gostaria de viver nunca?
Magela Pirauá – Ter que sepultar um filho.
Arapiraca News – Arapiraca, para o senhor, é o quê?
Magela Pirauá – A cidade que escolhi para viver.
Arapiraca News – Uma outra cidade que lhe marcou?
Magela Pirauá – Porto Calvo, onde nasci. Fiz as amizades mais puras, de infância. Lá aprendi que todos somos iguais. Vivi a melhor fase de minha vida. Lá aprendi o valor da liberdade e a grandeza do ser humano.
Arapiraca News – Para você, é difícil pedir desculpas?
Magela Pirauá – Não. Já pedi muitas. As pessoas que trabalharam comigo sabem disso.
Arapiraca News – Quais os brasileiros mais talentosos de todos os tempos?
Magela Pirauá – No futebol, Garrincha; nas artes, Aleijadinho; na literatura, Machado de Assis; na política, Juscelino Kubitschek; no exemplo humanitário, Chico Xavier e Irmã Dulce; e, na poesia, Jorge de Lima.
Arapiraca News – Qual o seu herói nacional?
Magela Pirauá – Tiradentes e Calabar.
Arapiraca News – Qual o maior político brasileiro?
Magela Pirauá – Da atualidade não consigo enxergar. Do passado, Juscelino Kubitschek. Uma figura que muito me impressionou, li bastante sobre ele, Dom Pedro II. Intelectualmente muito preparado, de uma simplicidade encantadora, de muito bom senso, e que permitiu uma imprensa livre.
Arapiraca News – Existe alguém a quem o senhor não perdoaria?
Magela Pirauá – Não. O perdão é ato de amor. Como ato de amor, deve ser sempre praticado.
Arapiraca News – O que o senhor acha dos tempos atuais?
Magela Pirauá – Acho modernos e bons. Cada época tem seus costumes e avanços. Fui de uma época em que se casava fugido, eu, por exemplo.
Arapiraca News – Qual a maior novidade do mundo atual?
Magela Pirauá – A internet e a inteligência artificial.
Arapiraca News – Diga uma outra virtude do ser humano.
Magela Pirauá – A generosidade, e, se possível, não divulgar os atos de bondade.
Arapiraca News – Hoje, aposentado, o senhor cuida de quê?
Magela Pirauá – Leio, escrevo e ainda estudo muito. Gosto de me atualizar no Direito. Quando procurado, e sempre sou, dou consultoria jurídica, e eventualmente advogo. Não paro. Acordo cedo e começo a labuta.
Arapiraca News – Como vê o Brasil atual?
Magela Pirauá – Inquieto. Polarizado. Destilando ódio. Discussões estéreis. Políticos despreparados. Educação pública sem qualidade. Muita pobreza. Muita desigualdade social.
Arapiraca News – Qual a solução?
Magela Pirauá – Investir em educação, principalmente para os mais pobres. Educação de qualidade. Matricular os mais pobres em escolas particulares de qualidade pagas pelo Estado. O país só se desenvolve com educação. Veja os países asiáticos.
Arapiraca News – Qual a mensagem que o senhor deixaria para os jovens?
Magela Pirauá – Foco, determinação e garra. Estudem. Acreditem no que realizam. Dificuldades sempre existirão. Não ajam com inveja, nem arrogância. Aprendam a lidar com frustrações, elas sempre existirão.
Arapiraca News – E, para finalizar, o que falta em Arapiraca?
Magela Pirauá – Nada. Tem um excelente gestor que a faz, cada vez mais, tornar-se moderna e eficiente. Só falta a beleza do mar.
Por Redação