Setembro de 2019. O litoral de nove estados brasileiros – a maioria localizados na região Nordeste – é atingido por manchas de petróleo. A investigação do crime identificou que o material foi produzido na Venezuela, mas não apontou a autoria do desastre que gerou um custo aproximado de R$ 172.000.000,00 (cento e setenta e dois milhões) somente aos órgãos federais.
Além dos gastos com dinheiro público, o prejuízo incomensurável ao meio ambiente também afetou diretamente empresários e trabalhadores de setores relacionados com a pesca comercial e artesanal, além do turismo e atividades do ramo importante para a economia do Nordeste, carro-chefe de muitas cidades do litoral nordestino.
A venda de pescado capturado em praias e rios contaminados pelo óleo cru despencou, assim como a presença de turistas e clientes de hotéis, pousadas, bares e restaurantes. O pesadelo causado por um derramamento de petróleo a 700 km da costa brasileira volta a assombrar, agora muito mais próximo de praias e rios, principalmente de Alagoas e de Sergipe.
Foz do Rio São Francisco
O risco de um novo desastre ambiental está na investida da petroleira Exxon Mobil na região da foz do Rio São Francisco. A indústria norte-americana que atua no Brasil desde 1912, ainda com o nome Standart Oil e a rede de postos Esso, arrematou uma área situada a 50 km do encontro do Nilo Brasileiro com o Oceano Atlântico.
Do ponto de vista da beira-mar, o local a ser explorado fica mais próximo do litoral norte de Sergipe, praticamente em linha reta a partir de Brejo Grande, município situado na margem oposta do Velho Chico, ligado pelo rio a Piaçabuçu, o primeiro de Alagoas para quem navega rio acima, a partir da foz.
A Exxon Mobil tem onze poços a explorar na região, com a primeira perfuração prevista para ocorrer ainda este ano, conforme projeto que tramita no Ibama em meio às contestações sobre a realização de consultas prévias nas cidades e comunidades tradicionais situadas na área que pode ser diretamente afetada pelas atividades da petroleira.
Uma Ação Civil Pública (ACP) movida pela Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco Canoa de Tolda foi encaminhada ao Ministério Público Federal, em sua representação no estado de Sergipe, formalizando pedido de suspensão da audiência pública virtual marcada para a noite de 14 de setembro.
A obrigatoriedade da realização de consulta prévia, com ampla divulgação sobre sua realização, nas comunidades quilombolas e tradicionais é um dos pontos da ACP amparada na legislação pertinente ao assunto, inclusive convenção internacional que tem adesão do Brasil.
Apesar da argumentação bem fundamentada, a Justiça Federal não acatou a ACP e a audiência virtual ocorreu, debate acompanhado pelo Jornal de Arapiraca.
Sob a coordenação do Ibama, a exposição do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foi transmitida pelo YouTube (o link pode acessado jogando essa busca https://audienciapublicaexxonmobil.com.br/seal/ na plataforma de vídeos) e por emissoras de rádio, ao vivo.
Durante 1h45, representantes da Witt O’Brien’s – empresa contratada pelo Exxon Mobil para produzir o EIA RIMA – apresentaram dados, com breve intervalo para abertura de perguntas de participantes previamente inscritos e, claro, dependentes da qualidade de internet que cada um dispõe, condições que limitam a inclusão no debate que revelou falhas nos estudos obrigatórios para a obtenção da licença ambiental.
Entre os questionamentos feitos ao longo de mais seis horas, com problemas de acesso em diversas ocasiões, vale destacara a participação do Professor Doutor Emerson Carlos Soares, coordenador das quatro Expedições do Baixo São Francisco, pesquisa iniciada em 2018 pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em parceria com outras instituições.
Estudos ignoram desastre ambiental de 2019
Logo de início, o pesquisador alertou a um dos representantes da Witt O’Brien’s que o óleo derramado em nosso litoral, em 2019, tinha origem identificada, assunto tratado em dez artigos científicos. A informação se fez necessária devido a uma resposta equivocada do mesmo participante da audiência.
Sobre os dados do EIA RIMA, Emerson Carlos questionou o uso de informações anteriores a 2013 para analisar as vazões do rio São Francisco, assim como o levantamento sobre a presença de metais pesados na região da foz, também defasado porque ignora estudos que avaliam o impacto após a ocorrência do óleo em nosso litoral.
“Uma das regiões mais afetadas foi justamente o Pontal do Peba, perto da foz do rio São Francisco e um povoado localizado em Feliz Deserto que tem uma pesca intensa de marisqueiras, com o massunim”, comentou Emerson Soares sobre a falta de atualização da pesquisa ainda desconexa com a realidade.
Pesca de camarão
Outro aspecto cuja importância foi relegada no EIA RIMA para a exploração da bacia de petróleo/gás natural entre Alagoas e Sergipe é a pesca de camarão. A concentra o quarto maior banco de camarão do país, atividade que ocorre principalmente em alto-mar, cerca de 20 a 40 km da praia, distância próxima da localização dos poços da Exxon Mobil.
O pesquisador aponta fragilidade no levantamento sobre a ictiofauna e macrofauna da região, questionamentos feitos inclusive em reuniões anteriores com representantes da petroleira. A pesca de camarão em Alagoas, somente nessa região, é a principal fonte de renda para centenas de famílias, principalmente no Pontal do Peba.
Ao final dos dois minutos reservados a cada participante para apresentação de perguntas, Emerson Carlos pediu a liberação da bibliografia utilizada nos estudos.
O representante da empresa ProOceano, Marcelo Cabral, foi acionado para responder aos questionamentos, já agradecendo a colaboração destacadas por Emerson Soares e afirmando que o estudo de vazões foi revisado, com base em informações produzidas pela Canoa de Tolda, a ONG que tem mais de 20 anos de atuação no Baixo São Francisco.
“Nós recebemos uma importante contribuição do professor, que nos chegou através da Sociedade Canoa de Tolda, sobretudo em relação às vazões do São Francisco. A partir dessa contribuição, a gente revisou os parâmetros de modelagem”, declarou Cabral, especificando o referencial de 550 m³ (metros cúbicos por segundo), o mínimo praticado pela Chesf – com autorização do Ibama – na região cuja ‘boca do rio’ e até Piaçabuçu é de água salobra, maior prova de seu enfraquecimento no embate constante com o mar.
Pedro Perez, da Witt O’Brien’s, disse que os estudos consideraram a ocorrência do óleo em nosso litoral, declaração que aponta mais para a elaboração e resposta das ações emergenciais para execução em caso de vazamento de óleo ou problema semelhante.
Natália Saisse, bióloga marinha, informou que os bancos de camarões foram caracterizados e mapeados na região da foz, pesquisa extensiva para toda a fauna, com 180 espécies identificadas, 70 em risco de extinção.
Sobre o envio da bibliografia dos estudos, apesar da Witt O´Brien’s ter dito que iria enviar ao professor Emerson Soares, o pesquisar não recebeu nenhum retorno da empresa até o fechamento desta edição do Jornal de Arapiraca, conforme consulta feita por nossa reportagem.
Pior cenário mostra que mancha de óleo será gigantesca
Entre respostas evasivas, tão genéricas quanto perguntas mal formuladas, a Exxon Mobil apresenta dois quadros ilustrativos do que se classifica como pior cenário para a região de influência da exploração de petróleo.
Considerando a vazão mínima do Rio São Francisco (550 m³), um vazamento de grande proporção (238.480,9 m³) sem que a empresa tome qualquer providência em um período de 30 dias gera dois cenários catastróficos.
A simulação dos desastres em programa de computador considera ainda aspectos como correntes marítimas, ventos e período do ano. O desastre dessa proporção ocorrido de novembro a abril espalharia uma mancha de óleo gigantesca, da região da foz até as proximidades da divisa entre Bahia e Espírito Santo.
Com os mesmos dados de vazão mínima do rio e vazamento máximo do poço, no período de maio a outubro, a mancha de óleo tem sentido inverso do panorama anterior, se espalhando da área de exploração até o litoral da Paraíba.
O risco é minimizado pela empresa responsável por crimes ambientais de larga escala, como a Maré Negra registrada no Alasca em 1989. O derramamento de petróleo naquela região era o pior desastre ambiental dos Estados Unidos até o início deste século.
A Exxon Mobil afirma estar pronta para atender essas situações de emergência e não se esquiva da responsabilidade. “A empresa está aqui para deixar claro que nós somos responsáveis pelo projeto. Então isso quer dizer que toda a reparação por eventuais impactos é de responsabilidade da Exxon Mobil”, afirmou Tatiana Rocha, representante da petroleira que registrou lucro líquido de quase quatro bilhões de dólares (US$ 3,97 bilhões) somente no terceiro trimestre de 2021.
Fonte: Jornal de Arapiraca/ Fernando Vinicius
23/09/2021 06h01