As inúmeras horas de solidão, testemunhada e experienciada, num ambiente povoado por profissionais da saúde, levou-me a pensar sobre a forma que teria a nossa existência, tendo como ponto de partida dois filmes que relaciona a vida a um fio – AWAKE: a vida por um fio e A VIDA POR UM FIO.
Os roteiros são bem diferentes e não são bons. Mas, por alguma razão, me levaram a refletir se existe uma linha na qual nossas vidas se conectam e em determinado momento, sem força, se desprendem e caem. Ou se a vida é o próprio fio por onde as energias são conduzidas.
No momento, sem muita segurança, optei por considerar que a vida é um fio energizado e, embora muito do que ocorra enquanto o percorremos seja bastante palpável, ele é invisível. De tal forma que somente damos conta dos seus nós quando neles topamos. Assim, as possibilidades de choques são inúmeras, mas dificilmente conseguimos detectá-las antes que ocorram. E quando nele nos enroscamos seriamente, na maioria das vezes, não sabemos onde, quando e como tudo começou.
A ideia da vida como um fio condutor de força e invisível me fez ver como minha terapeuta tem razão ao afirmar que o controle que pensamos ter sobre a nossa própria vida é ilusório. E de como Gonzaguinha estava correto ao dizer que a vida “é um nada no mundo”. Um ‘nada’ em incessante atividade independentemente de nossos desejos, ainda mais quando parece que está rompendo.
O risco de ruptura põe o ‘nada’ em frenética luta para permanecer guiando potências e isso é fascinante e comovente. A autonomia e a velocidade dos órgãos na produção de sucessivos sinais nos põe na lona. Somos espectadores de uma batalha que julgávamos ser nossa, mas o papel que nos reservaram foi apenas de observador e ainda assim nos leva à exaustão. Seria essa peleja sempre uma realidade?! Se é assim, é bom ouvir Leminski com atenção “não discuto com o destino, o que pintar eu assino” e, relaxar.
Cecília Meirelles por certo riria dessa escolha e diria “traça a reta e a curva, a quebrada e a sinuosa, tudo é preciso, de tudo viverás”. Admito gostar da ideia de ser autora da linha, seja qual for sua forma. Mas serei absolutamente verdadeira se disser que várias vezes, nos meus quase 60 anos, apenas caminhei, parafusei, levei choques e tropecei nos nós. Ademais estou cansada.
Entre um cigarro e outro, Fernando Pessoa vem ao meu socorro: “dorme que a vida é nada! Dorme, que tudo é vão! Se alguém achou a estrada, achou-a em confusão, com a alma enganada”. Exausta, jogo-me na poltrona reservada para acompanhantes e durmo. O sonho vem. Nele posso escolher entre desenhar ou fazer versos.
Nunca me dei bem com traçados. Nas aulas de geometria ficava fascinada com a existência de várias retas passando por um único ponto, no Universo. A imagem que se forma no meu cérebro, ainda hoje, é de uma beleza estonteante. Não consigo reproduzi-la, então romantizo-a. Vejo-a como encontros inevitáveis que eu gostaria de, com leveza e rigor estético, descrevê-los. Por isso escolho os versos. Mas isso é sonho, é apenas devaneio, já que na corrente de potencialidades que me anima, não se encontra a imortalidade dos poetas.