Os dois livros publicados, Caetés e São Bernardo, foram muito bem recebidos pela crítica e Graciliano entendeu que haveria de sempre fazer romances, ainda que fosse necessário trabalhar em outras áreas para sustentar a si e a sua família.
Angústia é o terceiro publicado e devemos isso a Rachel de Queiroz: “julgo que continuarei o Angústia, que a Rachel acha excelente, aquela bandida. Chegou a convencer-me de que eu devia continuar a história abandonada”. Foi ela também que, junto com Dona Heloísa, resgatou os originais jogados fora pelo escritor num acesso de raiva. E a José Lins do Rêgo que, tendo sido transferido para o Rio de Janeiro, intermediou a negociação entre Graciliano e o editor José Olympio.
Fugindo da romantização da realidade ou de sua mera duplicação, Graciliano situa seus personagens em classes sociais diferentes: João Valério, de Caetés, é um pequeno burguês provinciano; Paulo Honório, de São Bernardo, é um latifundiário; Luís da Silva, de Angústia, é da classe média. Com eles e mais adiante com Fabiano e Sinhá Vitória, de Vidas Secas, o escritor alagoano apreendeu o conjunto de contradições da sociedade e escancarou a infelicidade causada por ele “numa demonstração de solidariedade a todos os infelizes que povoam a terra”.
O historiador da angústia como era chamado pelo crítico Álvaro Lins, desejava dar voz àqueles que não a possuíam, em razão das enormes desigualdades sociais, afirma Hermenegildo Barros. A permanente atitude de resistência face ao destino e à ordem estabelecida é, sem dúvidas, uma das ideias-força de sua obra, arrematou o crítico português Fernando Cristóvão. Seria essa a razão dos telefonemas anônimos com ameaças recebidos pelo escritor, no Gabinete da Instrução Pública?
Graciliano não deu importância às ameaças, mas quando recebeu mensagens de amigos avisando que o cerco aos comunistas proposto pelo novo comandante da 7ª região, General Newton Cavalcanti, tinha ele como um dos alvos, sentiu que havia um plano em marcha para calar os não simpatizantes do regime. A esposa, os filhos, os amigos tentaram, em vão, convence-lo a fugir.
Preso sem motivos, Graciliano jamais respondeu a algum inquérito. Nenhum processo foi instaurado, ainda assim permaneceu no cárcere de 3 de março de 1936 a 13 de janeiro de 1937. De início foi levado para o Batalhão dos Caçadores, esperou ser interrogado, não aconteceu. Na manhã seguinte foi enviado com outros detidos para Recife e passou a anotar o que ocorria em minúsculas letras para economizar as folhas de papel que possuía.
Em Recife, no Forte das Cinco Pontas, conheceu o capitão José Figueiredo Lobo, amante da literatura, tinha lido e gostado muito tanto de Caetés quanto de São Bernardo, ou seja, ali estava um admirador que providenciou lençóis e toalhas limpas para o escritor e diariamente arranjava pretextos para estreitar a convivência. Quando soube da transferência dele para outra prisão, ofereceu-lhe ajuda financeira. Graciliano recusou, mas o comportamento do militar fez o prisioneiro refletir e admitir que nem todos oficiais eram opressores: “a exceção nos atrapalha, temos de reformar julgamentos”. Além disso, em Recife tinha sido bem tratado. Somente estranhava o fato de não ter sido interrogado, nem de ter ouvido falar uma única vez na existência de um processo, em que ele fosse uma das partes.
Mas a sorte parece ter abandonado Graciliano quando embarcou no vapor Manaus e foi transferido para o Rio de Janeiro. A visão do porão da embarcação perturbou muito o escritor. Homens jogados no chão infecto, odor insuportável de urina e com o passar das horas descobriu que a comida oferecida era impossível de ser comida. Continuou a escrever num pequeno compartimento cedido por um companheiro de infortúnio onde havia uma estreita mesa e uma cadeira. Chegando ao Rio de Janeiro foi encaminhado para Casa de Detenção, na Rua Frei Caneca.
Quando os prisioneiros do vapor Manaus entraram na Casa de Detenção foram recebidos pelos outros presos cantando, com os punhos erguidos, o Hino Nacional, A Internacional e o Hino da Aliança Nacional Libertadora. Graciliano passou a conviver com professores, médicos, jornalistas, advogados, sindicalistas, funcionários públicos e também com algumas mulheres que ficavam no pavimento superior, entre elas Olga Benário, militante comunista alemã e esposa de Luís Carlos Prestes; e a médica alagoana Nise da Silveira. Em carta para dona Heloisa, Graciliano diz: “encontrei aqui excelentes companheiros… Hoje comecei a estudar russo. Se tiver a sorte de me demorar aqui uns dois ou três meses, creio que aprenderei um pouco de russo para ler os romances de Dostoiévski. Julgo que sou um dos mais ignorantes aqui”.
Dona Heloisa foi para o Rio de Janeiro e passou a lutar pela liberdade do marido. No mesmo período entregou ao editor os originais de Angústia. Graciliano se preocupou com o destino desse livro, mas antes que ele fosse publicado, o escritor foi transferido para a Colônia Correcional da Ilha Grande, considerada uma máquina de moer pessoas. “Escutem. Nenhum direito. Ninguém vem se corrigir aqui. Vocês vêm morrer”, disse o chefe da guarda aos recém chegados. Em pouco tempo o escritor alagoano sentiu que não sobreviveria àquela experiência, “o meu fim estava próximo, com certeza”.
Fonte: Jornal do Interior/ Lúcia Barbosa