Querem matar Graciliano! Disse o banqueiro e ex-prefeito de Maceió, Edgard de Góis Monteiro, ao ouvir de Dona Heloísa que tinham levado o escritor para a Ilha Grande.
Edgard prometeu interceder por seu parceiro de pôquer junto às autoridades militares e assim o fez. Oito dias depois do encontro, a notícia do retorno de Graciliano à Casa de Detenção da rua Frei Caneca chegou a Dona Heloísa.
Extremamente debilitado, sentindo muitas dores, Graciliano foi encaminhado para a enfermaria do presídio na Frei Caneca. No dia da visita, Dona Heloísa lhe entregou exemplares de Angústia. O escritor ficou surpreso com a publicação e irritado pelos erros de revisão. “Não se conferiu a cópia com o original. Imagine. E a revisão preencheu as lacunas metendo horrores na história”.
Os críticos não perceberam isso. Todas as publicações a respeito do romance foram elogiosas. Para Dias da Costa, em Angústia, o escritor alagoano construiu dois mundos maravilhosos: o primeiro, onde se moviam todos os personagens; e o segundo, exclusivo do protagonista, Luís da Silva, no qual ele vacila angustiadamente entre a razão e a loucura.
Os elogios não o fizeram rever sua opinião sobre o romance. A autocrítica permanecia severa, até injusta, mas não se pode negar que, no fundo, o reconhecimento trouxe certo alívio às dores daquele homem marcado pela injustiça.
Entretanto, o alívio não demorou muito, logo foi substituído por uma enorme aflição. O governo brasileiro resolveu entregar Olga Benário, grávida, à Alemanha Nazista. “Em duro silêncio, sentia na alma um frio desalento… Teria filho entre inimigos, na cadeia… A subserviência das autoridades reles a um despotismo longínquo enchia-me de tristeza e vergonha”. Olga foi executada, na câmara de gás, aos 34 anos. Sua filha Anita Leocádia Prestes foi entregue à sua avó paterna.
Enquanto isso, intelectuais do Brasil e dos países da América do Sul se organizavam para pedir ao governo brasileiro a libertação de Graciliano. O advogado Sobral Pinto que já defendia, sem cobrança de honorários, outros prisioneiros políticos, passou a cuidar do caso do alagoano.
Sobral solicitou ao Tribunal de Segurança Nacional uma investigação para apurar provas que pudessem incriminá-lo. “Não há, até agora, nada que justifique sua prisão. A única coisa que o requerente sabe é que o general Newton Cavalcanti lhe empresta a qualidade de comunista perigoso”. A solicitação foi arquivada.
Indignado, José Lins do Rêgo foi até a chefia de gabinete de Getúlio Vargas. “Você diga ao Presidente que ele precisa mandar soltar Graciliano Ramos. Graciliano está preso há um ano, tem sofrido os maiores horrores de prisão em prisão. Esse martírio não pode continuar”.
Embora tenha se beneficiado da repressão, Getúlio não queria ver seu nome envolvido nos casos de prisões arbitrárias e torturas. Evidentemente, que isso não era possível. A força policial era do Estado que ele comandava e estava a serviço do seu governo. Tanto era assim que foi por interferência dele que a polícia solicitou informações às autoridades de Alagoas sobre o que se tinha apurado contra Graciliano.
Consultadas, as autoridades alagoanas enviaram telegrama ao chefe de polícia política, Filinto Muller: “Informo V Exa. Não haver inconveniente libertação de Graciliano Ramos”. E foi assim que, na manhã de 13 de janeiro de 1937, os portões da Casa de Detenção abriram para a passagem do escritor. Enfim, livre!
Livre das grades, preso na angústia: quem daria emprego a um ex-preso político? Como sustentar mulher e filhos sem uma ocupação definida? Graciliano não se via como um escritor consagrado.
Em carta ao tradutor argentino, o escritor diz: “afinal cá estou eu novamente em circulação e talvez em estado de servir, se é que não tenho qualquer peça importante do interior estragada”. A verdade é que as marcas da prisão estavam muito presentes e acompanhariam o escritor por toda a vida.
Cem dias depois da abertura dos portões da Casa de Detenção para levar o escritor à liberdade, ele inicia um novo projeto literário inspirado na morte de um cachorro no Sertão pernambucano. “Procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos”. Nascia o quarto romance, ‘Vidas Secas’.
Sobre Vida Secas, disse Rachel de Queiroz: “quando recebi o livro já editado, fiquei uma fera e disse-lhe todos os palavrões possíveis. Perguntei-lhe: então seu cachorro, você joga uma obra prima em cima de nossos pobres livrinhos? Ele riu muito”.
Além dos quatro romances: Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938) também foram publicados os livros de contos : A Terra dos Meninos Pelados (1939); Histórias de Alexandre (1944); Dois Dedos (1945); Histórias Incompletas (1946); Insônia (1947); Sete Histórias Verdadeiras (1951) e também Infância (1945), um livro de memórias. No ano que publicou Infância, o escritor filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro.
Após sua morte, em 20 de março de 1953, foram publicados os quatro volumes de Memórias do Cárcere (1953); Viagem (1954); Viventes das Alagoas (1962); Alexandre e outros heróis (1962); Linhas Tortas (1962); Histórias Agrestes (1967); Cartas (1980); O estribo de Prata (1984); Cartas de Amor à Heloísa (1992);Garranchos (2012); Cangaços (2014); Conversas (2014).
Assim, permanece vivo entre nós “o magnífico escritor de um tempo de conflitos, que acreditou sempre que o homem tudo pode na Terra – até mesmo construir a felicidade”. (Denis de Moraes)