INVASÃO DOS SÁBIOS

Aprendi com o escritor português Saramago a não tentar convencer ninguém disso ou daquilo, todavia, também como ele não abro mão de defender uma linha de pensamento. Essa defesa exige estudos de temas variados e, considerando os meus limites, inclusive cognitivos, procuro escrever sem dela me desviar, guardando o respeito aos espaços que me são dados e aos raros leitores que possuo, considerando-os privilégios de poucos. 

Percebo esses cuidados nas pessoas que costumo ler e não tenho dúvidas da influência que elas têm em meus escritos. As mudanças de percepção que ocorrem em razão destas leituras são fundamentais para as descobertas que possibilitam o meu crescimento e as minhas conquistas. E você? Descobriu algo importante para si a partir das leituras ou apenas tem repetido o que os outros dizem? Se está apenas repetindo, seu pensamento está sendo controlado por alguém ou por um grupo de pessoas em defesa de interesses que não são os seus.

O conhecimento não vem de graça. Exige disciplina, esforço, muitas horas de dedicação, renúncias e um enorme desejo de crescimento. Sinto em dizer que as redes sociais não são capazes de proporciona-lo. Mas sentirei ainda mais se souber que você já é o portador da verdade da internet descrito pelo escritor italiano Umberto Eco. Sendo, muito provavelmente já é membro de uma ‘bolha’ responsável pela disseminação de fake news.

A bolha, alimentada por algoritmos, nos prende a círculos sociais fechados e impossibilita-nos de olhar para o que devemos ver. Os filtros utilizados pelas redes sociais para selecionar os conteúdos que nos serão apresentados barram a exposição de ideias contrárias aos nossos preconceitos, e isso intensifica a tendência de buscarmos apenas as concordâncias. Esse é o lugar ideal para o compartilhamento de meias verdades e muitas mentiras; por vezes é o território de incitação à violência e promoção do ódio e é também um ambiente de negócio bastante lucrativo para alguns.

Na última sexta-feira o ministro Luiz Felipe Salomão do Tribunal Superior Eleitoral – TSE se reuniu com representantes do YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook com o objetivo de desmonetizar plataformas acusadas de divulgarem conteúdos falsos, ataques ao sistema eleitoral e a instituições como o Supremo Tribunal Federal – STF. Segundo estimativa de receitas calculadas com dados da Social Blade, só no YouTube estes canais estariam ganhando algo em torno de 3 milhões de dólares por ano.

A sexta feira também foi palco para buscas e apreensões solicitadas ao STF pela sub procuradora Lindora Araújo da Procuradoria Geral da República – PGR na investigação dos atos de incitação à violência e ameaças à democracia. Entre os alvos da operação está o cantor Sérgio Reis, suspeito de usar as redes sociais para encorajar a população à pratica de atos violentos contra o Estado de direito.

Os portadores da verdade da internet disseminam que o Ministro do STF Alexandre de Moraes ao atender o pedido da subprocuradora age à margem da lei. O alegado abuso de autoridade do Ministro estaria ferindo a liberdade de expressão dos investigados. Entretanto, apesar da Constituição assegurar a livre manifestação do pensamento o que inclui o direito de crítica sobre as autoridades isso não autoriza a tentativa de impedir o livre exercício dos poderes, como está caracterizado na ameaça ao STF presente nas palavras de Sérgio Reis.

Esse ambiente hostil à verdade e ao diálogo tem afastado das redes sociais muitos dos melhores pensadores da atualidade e isso tem empobrecido cada vez mais os debates nesses espaços. Você não precisa fazer o mesmo, mas antes de compartilhar um conteúdo, responda as questões propostas pelo jornalista e cientista político Sakamoto. Esse post incita a violência? Promove o ódio? É baseado em achismo? Ridiculariza quem pensa diferente? Serve apenas para receber likes da minha bolha? Está cheio de preconceitos? Se fosse você o alvo da postagem, sentir-se-ia injustiçado ou violentado? Se responder sim a apenas uma delas, analise se de fato é necessário compartilha-lo e assim, aos poucos, no lugar de portador, se tornará prospector dos filões da verdade na internet e, finalmente, as redes serão invadidas pelos sábios.