Alguns anos atrás, assisti a palestra do médico Jairnilson Paim e fiquei surpresa quando, logo após os cumprimentos, ele indagou: – Vocês já ouviram falar mal do SUS? A plateia inteira sorriu. Sem entender porque um defensor do Sistema Único de Saúde iniciava a fala apontando negativamente para ele, decepcionei-me. Não demorou muito e as pessoas ali presentes passaram a interagir e contar histórias de atendimentos complexos e bem sucedidos na saúde pública. E nesse dia não discutimos apenas as deficiências do sistema, mas também a sua potência.
Conhecer o SUS, tal qual ele foi imaginado, daria aos brasileiros um imenso orgulho dos profissionais que elaboraram o projeto e lutaram para que se tornasse lei; daqueles que hoje trabalham em sua defesa e no seu aperfeiçoamento e dos que atuam nele, por opção.
A eles nos juntaríamos e sairíamos às ruas para dizer que o SUS é um patrimônio do povo brasileiro e em razão disso, todas as ações do Estado deverão ter como objetivo a sua preservação e o seu fortalecimento. É o que também diz a nossa Constituição, no art. 196: a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas. Assim, ajustes fiscais que impeçam a execução do SUS é uma flagrante desobediência à Constituição.
Defender o SUS de forma a impedir retrocessos, como experimentamos recentemente, é o único caminho que temos para não retornarmos ao passado onde o que havia era aquilo que Dr Paim chama de ‘não sistema de saúde’, dada a sua desorganização e precariedade.
Sua principal marca era a separação entre as ações de saúde pública e a assistência médica hospitalar. Quando as epidemias, como a da febre amarela, se instalavam, o Estado se responsabilizava pelo seu combate e as medidas sanitárias, na sua execução, assemelhavam-se a uma operação militar. Na época o Ministério da Justiça era a pasta competente para realizar estas campanhas.
A assistência médica hospitalar existia somente para os trabalhadores vinculados às empresas que contratavam os serviços das medicinas de grupo e em troca eram dispensadas das contribuições previdenciárias. Mesmo depois de criado o Ministério da Saúde, em 1953, as intervenções estatais ficavam restritas às doenças específicas, como a malária.
Ao contrário disso, a ideia central do SUS é que todo cidadão tem direito à saúde integral: prevenção, proteção e a recuperação dela. Não exigindo de ninguém nenhuma contribuição prévia, nenhuma condição pré-existente. Como afirma Paim “com base na concepção de seguridade social, o SUS supõe uma sociedade solidária e democrática, movida por valores de igualdade e de equidade, sem discriminações ou privilégios”. Sim, eu sei que nem sempre se encontra solidariedade e tratamento igual no acesso a ele e isso deve ser a principal bandeira a ser empunhada quando pararmos de falar mal e formos às ruas defender o nosso patrimônio.
A participação popular que já se dá nos conselhos e que garante voz à sociedade na identificação dos problemas, no encaminhamento das soluções e, posteriormente, na avaliação da execução do que foi aprovado pelos conselheiros, deve ser ampliada e ganhar espaço nas mídias, nas escolas, nos ambientes de trabalho, nos sindicatos, nas associações, nas ruas. É preciso o controle social para além dos Conselhos, dado que os ataques ao SUS têm origem nos setores políticos e economicamente poderosos do Brasil.
Há razões para quem tem planos de saúde também defender o SUS? Sim. A principal delas é que ao adquirir um plano de saúde, não se perde o direito de usar o sistema público. Lembram? Para todos.
Mas também porque o SUS é responsável pela vigilância sanitária que regulamenta e controla a fabricação, produção e comercialização de produtos como medicamentos, alimentos e cosméticos, além das campanhas de vacinação.
É também o SUS que realiza coleta para doação de sangue, organiza a rede de banco de leite materno e dos bancos de pele para tratamento de queimados, transporta órgãos e realiza transplantes, distribui medicamentos, incluindo os de alto custo entre tantas outras ações de prevenção, proteção e recuperação da saúde, só oferecida por ele. Portanto, não existem brasileiros que não sejam beneficiados pelo SUS.
Mas há também razões econômicas: os preços dos planos de saúde e as dificuldades impostas por eles aos beneficiários que necessitam de tratamentos. Além disso, esse setor está em crise e alguns planos certamente deixarão de existir, o que elevará a concentração de um mercado já bastante concentrado. Sobre isso falaremos em outro artigo.