
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, da Justiça estadual de Santa Catarina, induziu, em audiência, uma menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de fazer um aborto legal. A história foi revelada, nesta segunda-feira (20), em reportagem do site The Intercept Brasil.
A menina, acompanhada de sua mãe, procurou no dia 4 de maio o serviço médico do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à UFSC, para realizar o aborto com 22 semanas e dois dias.
As normas do hospital permitiriam o procedimento até a 20ª semana de gestação. O caso foi parar na Justiça com Zimmer, que afirmou que o aborto após esse prazo “seria uma autorização para homicídio”.
Durante a audiência, Joana Ribeiro Zimmer afirma à criança que a gestação deve prosseguir para que o bebê seja entregue à adoção. A juíza já deu algumas entrevistas em programas de TV para falar sobre adoção, tema em que é especializada na Vara de Infância.
Na audiência, Zimmer afirma que o aborto após esse prazo de 20 semanas “seria uma autorização para homicídio”. Perguntou, ainda, se a garota poderia “esperar um pouquinho” antes de abortar. O estupro ocorreu quando a vítima tinha dez anos.
A juíza Ribeiro e a criança travaram o seguinte diálogo:
– Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer? – pergunta a juíza.
– Não – responde a criança.
– Você gosta de estudar?
– Gosto.
– Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?
– Sim.
Faltavam alguns dias para o aniversário de 11 anos da vítima. A juíza, então, pergunta:
– Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?
– Não – é a resposta, mais uma vez.
Após alguns segundos, a juíza continua:
– Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção? – pergunta, se referindo ao estuprador.
– Não sei – diz a menina, em voz baixa.
A audiência com a mãe da vítima segue no mesmo tom. “Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, afirma Ribeiro. Ela responde, aos prantos: “É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou”.
Após ser questionada pela juíza sobre qual seria a melhor solução, a mãe segue:
“Independente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela? Ela não tem noção do que ela está passando, vocês fazem esse monte de pergunta, mas ela nem sabe o que responder”.
Infelizmente, a criança está há mais de um mês em um abrigo para que não tenha acesso a seu direito: um aborto legal. Ribeiro afirmou, em despacho de 1º de junho, que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.

Críticas
A juíza Cristiana Cordeiro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e presidente da AJD (Associação Juízes para A Democracia), afirma que as cenas descritas pela reportagem mostram uma violação da Lei do Depoimento Especial, de 2017, que trouxe uma regra impositiva para a realização de oitivas — processo em que uma pessoa é ouvida pela Justiça — com crianças e adolescentes.
“Crianças e adolescentes são sujeitos de direito. Uma menina de 11 anos não compreende o que é reprodução, como se engravidar, o que significa maternar. Então, são cenas de um filme de terror. Infelizmente, assistimos a um sistema de Justiça que, ao invés de proteger, viola os direitos de crianças e adolescentes.”
Cordeiro considera “nauseante” as cenas da reportagem.
“O Código Penal não cita um prazo para a realização do aborto legal nos casos previstos em lei. Não fala em semanas. Isso não existe. Essas interpretações são invenções de instituições médicas. Qualquer mulher que passou por um estupro tem esse direito”. Tania Maria de Oliveira, coordenação executiva da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).
Para Tabata Tesser, membro das católicas pelo direito e mestre da ciência da religião, a audiência pode ser equiparada a uma tortura psicológica.
Fonte: É Assim