A canção Roda Viva é de Chico Buarque e, indignada com a falsa polêmica suscitada por uma juíza, descobri que me apaixonei por ele alguns anos depois do lançamento dela. A paixão pela sua arte veio pari passu ao arrebatamento pela literatura de Jorge Amado, na década de 70, em Limoeiro de Anadia, cidade que tinha como única expressão artística o Quilombo.
O Quilombo é um folguedo popular diferente na performance, mas igual na origem daqueles que Dora e Nilo, personagens de Gabriela, cravo e canela, reuniram em uma data que nada tinha de especial a se comemorar, a não ser o compromisso inquestionável de Amado com a valorização da cultura popular.
Meu compadre Valmir tinha a coleção de livros do baiano, escritos dos anos 30 aos anos 60, e me permitiu devorá-los. E pelas mãos de sua sobrinha carioca conheci a Ópera do Malandro, do artista também carioca, e nunca mais deixei de estar atenta à arte de Chico, esse genial compositor.
Foi neste trabalho que saudade ganhou sentido, conteúdo e essência pra mim. “A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Nele também ouvi, ainda ouço, que “o amor não é um vício. O amor é sacrifício. O amor é sacerdócio”. Que as mulheres podem, se quiserem, dizer sim “por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim”. E quando as pedras jogadas pela hipocrisia lhe atingirem, como atingiram Geni, que a dor causada por elas sirva para solidificar o que escolheu para si. Desculpe-me querido Chico, mas como a Vitória, da Ópera, “só tenho um único e breve reparo”, te amar é um vício e não exige de mim nenhum sacrifício.
Dito isso, volto-me para algo que tenho visto como necessário e urgente – mudanças nos métodos de seleção para o serviço público. As provas de conhecimento e de títulos são obviamente necessárias, mas está claro que não são suficientes para atender com justiça a demanda da sociedade brasileira.
O caso dessa juíza impondo ao Chico a apresentação de provas do nascimento da criação, amplamente conhecida, inclusive pelo Estado brasileiro, posto que já foi questão em provas do Enem, é apenas mais um caso. E nesse, a parte injustiçada tem condições de defesa.
Diferentemente foi o caso de Jesus morto numa câmara de gás, no meio da rua. Da menina de 10 anos grávida e obrigada a parir. Da jovem, depois de estuprada, constrangida no julgamento pela virulência dos operadores do direito. Das mulheres que sofrem violência na hora do parto. Dos jovens negros sempre tratados como suspeitos de cometerem crimes.
A lista é interminável e demonstra o quão é inadiável a discussão sobre o tema. Há de se encontrar métodos que minimizem a possibilidade de preconceituosos adquirirem status de servidores públicos, porque há uma clara incompatibilidade entre alimentar preconceitos e servir a sociedade, rica em diversidade.
Assim como é forçoso reconhecer que o estágio probatório, ferramenta apropriada para a análise de desempenho, tem sido mal utilizada. Essa é uma barreira importante para deter intolerantes no serviço público. Se colocada em prática dará voz àqueles que com seus impostos pagam nossos salários.
O uso dos já existentes e a criação de outros indicadores que demonstrem a satisfação dos usuários dos serviços públicos com o atendimento recebido deve ser incentivado. Ele, somado a análise séria das reclamações recebidas pelas ouvidorias e aplicação das penas adequadas, pode ser um bom caminho para proteger brasileiras e brasileiros de julgamentos desprovidos de fundamentos, critérios e racionalidade. Como fazer isso com servidores que não passaram por uma seleção adequada é um enorme desafio. Por isso roda mundo, roda vida, Roda Viva porque mesmo nos “dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu… a gente vai contra a corrente”.