É hora de informar sua renda ao governo. O prazo para a entrega da declaração termina no final deste mês. Fico a pensar que seria mais feliz se pudesse entregar também minha declaração de despesas. Mas Alice, a garotinha que pronuncia palavras difíceis, na TV e nas redes sociais, lembrou-me que felicidade é sorrir e ir à praia, portanto, nada tem a ver com demonstrações de posse de bens materiais e custos de vida.
Alice está certa e eu gostaria de estar seguindo, agora, sua receita de felicidade. Na praia consigo meditar. Não parada como na cultura oriental, caminhando, sentindo nos pés a areia e de quando em vez as aguas salgadas do mar, que me proporcionam um delicioso frescor, enquanto o sol queima a minha pele. Nesse momento sou tragada pelo infinito e passo a fazer parte dele. A sensação de pertencer ao incalculável é indescritível e, se fosse obrigada a declara-la, por certo, cairia na malha fina.
Todavia, posso cair na malha do Estado por outras razões, uma delas é não informar ao governo brasileiro algo que ele já sabe. Ele espera apenas que eu não siga o rito por ele imposto ou cometa algum erro no preenchimento do formulário para ser convocada a dar explicações e isso, definitivamente, não me fará sorrir, além disso, dificultará minhas idas à praia.
Tal situação me fez lembrar a ‘Conversa sobre poesia com o fiscal de rendas’ do poeta russo Vladimir Maiakovski. “Cidadão fiscal de rendas, desculpe a liberdade! […] A matéria que me traz é algo extraordinária: o lugar do poeta na sociedade proletária. Ao lado dos donos de terras e senhores industriais estou eu também citado por débitos fiscais”.
Sorte de Maiakovski, pelo menos em matéria de cobrança de impostos, sua Nação pareceu-me mais justa que a nossa, já que no Brasil os dividendos, provenientes de lucros de empresas e distribuídos entre os sócios, são livres da mordida do leão. Sobre eles nada a cobrar. Dessa forma, os donos dos meios de produção embora tenham ganhos muito superiores aos dos seus funcionários, para o Estado brasileiro é como se renda eles não possuíssem. E, por favor, não me venham com teorias cheirando a mofo, como Belchior não tenho interesse nelas. “A minha alucinação é suportar o dia a dia. E meu delírio é a experiência com coisas reais”.
Assim, como o poeta russo, é possível ao trabalhador brasileiro aparecer na lista de devedor fiscal, mas é pouco provável que o seu patrão faça parte dela. Isso é tão escandaloso que a OCDE sugeriu ao Brasil a instituição de uma alíquota sobre os dividendos de 20% ou uma tabela progressiva com 30% de alíquota máxima. Enquanto isso não vem, vamos aqui informando que continuo ganhando pouco e desse ganho, no final do mês, nada sobra.
Há quem ganhe menos e, há quem ganhe menos ainda, como no poema – ‘Não há vagas’ de Ferreira Gullar, no salário do trabalhador brasileiro só cabem o homem sem estômago, a mulher de nuvens e a fruta sem preço. Mas há também os que nada ganham e com eles deixo Djavan falar “ sabe lá, o que não ter e ter que ter pra dar”, porque até estes, se consumirem, impostos são obrigados a pagar.
No modelo regressivo de tributação adotado, metade da carga tributária do país é sobre o consumo e penaliza sobremaneira as pessoas que ganham pouco. Por isso advogo, continuando esse modelo de tributação, as despesas precisam ser declaradas. Depois de pagas as contas de energia, água, gás, transporte, moradia, alimentação, saúde e educação, fica o governo autorizado a abocanhar parte do que sobrou na conta do trabalhador. E não pensem que isso faz a tributação ser justa, no máximo, ela poderia ser considerada menos injusta.
Alguns me apontarão os efeitos disso na arrecadação. Posso-lhes garantir que o exército brasileiro continuará a comprar cerveja, viagra, prótese peniana, botox e tudo o mais que for necessário para a defesa do nosso querido país. Ao ouvir isso Maiakovski rompe o silêncio: “dai-nos novas formas! Não há mais tolos boquiabertos esperando a palavra do ‘mestre’. Dai-nos, camaradas, uma arte nova que arranque a República da escória”. E devolva o país ao povo brasileiro.