“Não têm respeito nenhum com o Rio São Francisco”

Desde o início de julho, a região do Baixo São Francisco – que compreende o trecho do Rio que banha os estados de Alagoas e Sergipe -, vem sofrendo alterações recorrentes na vazão. A mais recente, informada na última sexta-feira (19) determinou a redução de vazões para 1.100 m³/s no domingo (21) e nova alteração, com elevação para 1.600 a 2.000 m³/s durante dias úteis na Unidade de Xingó. As mudanças, segundo especialistas, são extremamente prejudiciais e agravam os problemas já existentes no rio.

Como explica o coordenador da Expedição Científica do Rio São Francisco, pesquisadores Emerson Soares, as decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) têm sido pautadas de acordo com a necessidade de produção energética, sem considerar os impactos ambientais e sociais.

No último fim de semana a vazão caiu pela metade, mesmo com a orientação de especialista para não alterar de forma brusca.

“Eles não têm sensibilidade nenhuma com as pessoas. Essas vazões alteradas, em várias oportunidades, já vêm recomendadas com informações, com argumentos, na sala de situação que a gente trabalha sobre os impactos. A gente discute mensalmente com vários órgãos, são apresentados argumentos, mas não somos ouvidos. Então não tem respeito nenhum, eles não estão nem aí para o meio ambiente, para a população. O compromisso deles é energia e o rio que que faça a sua parte, o que sobrar sobrou. Entendeu? Então o povo de Alagoas, o povo de Sergipe, o povo ribeirinho que depende do rio que se vire”, crítica.

Pesquisador destaca que impactos vão além da seca

Com dois livros publicados e um extenso trabalho sobre o Rio São Francisco, Soares enfatiza que os impactos vão além da seca: comprometem a sobrevivência de espécies e intensificam situações críticas que já vêm sendo identificadas ao longo dos anos.

“Eles criam toda uma situação que traz prejuízos enormes para o rio. Para a movimentação das águas transformando o sistema lótico que é de correnteza para sistema límbico que é sem correnteza e isso influencia a diluição de contaminantes, esgotos poluentes, águas de forma geral. Espécies nativas, principalmente as juvenis que estão nas áreas marginais, ou seja, os organismos que ficam em áreas mais abrigadas e essas áreas, com a diminuição das águas, elas ficam secas e o peixe não tem eficiência energética tão boa como os maiores e acabam morrendo. Estão prejudicando o ambiente causando um estresse hídrico muito grande nas espécies nativas e também para o manguezal. Uma piora da qualidade de água que vai exigir que haja um melhor cuidado, um melhor tratamento dessa água. Gastar mais dinheiro. Enfim é uma escala muito grande de problemas “, detalha.

Emerson Soares critica o posicionamento dos órgãos federais que decidem sobre o sistema elétrico.
“A gente vai desanimando. Sabe? Porque a gente faz um trabalho com recurso, com todo o cuidado, com livro publicado recentemente. A gente tenta negociar, mas as pessoas que estão a frente são de uma ignorância, de um completo descaso com o meio ambiente, estão nem aí. A gente que faz pesquisa se sente menosprezado porque a voz da gente é calada simplesmente por um botão que eles acionam lá. Tem que ter algum freio também, eles não têm freio. Sabe? É uma situação que nem a ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico] faz nada nem Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] porque estão acuados também”, diz.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público Federal (MPF) informou que oficiou os responsáveis para acompanhar o caso.