O homem que enganou Lampião

Foto: Divulgação

Parte do bando de Lampião em Alagoas (1936). Foto Benjamim Abrahão.

                Ele era um dos dez filhos de Francisco de Paula Magalhães (os outros eram José Correia de Paula, Maria Correia de Paula, Agapito de Paula Magalhães, Manoel de Paula Magalhães, Irineu de Paula Magalhães, Antônio Gregório de Magalhães, Rosa Lima de Magalhães, João de Paula Magalhães e Domingos de Paula Magalhães). Seguiu o caminho do pai, como plantador de fumo, e, logo depois, tornou-se figura conhecida em todo o interior de Alagoas, como plantador de fumo. Era um homem rico (diziam que tinha baús com moedas embaixo da cama de dormir). Para muitos, era um homem ranzinza. Porém honesto e simples. Durante sua vida, tratou os filhos Pedro Correia de Magalhães (Pedrinho), Florisvaldo de Paula Magalhães (Flor), José Correia de Magalhães (Bebé), Arvaci Correia de Magalhães, Geraldo de Paula Magalhães com dureza e retidão (as mulheres, Laci de Magalhães, Vanderci de Paula Magalhães (Vanda) e Floraci de Paula Magalhães (Flora), com prendas.

            Seu nome corria os sertões de Alagoas. E chegou até Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, através, dizem alguns, do Sr. “Nicolau”, morador de Craíbas. Era o ano de 1938.

Com 20 homens, Virgulino estava retornando do Girau (do Ponciano) e de Lagoa da Canoa. Até de Salomé (antigo nome de São Sebastião), que não invadiu pois ali moravam familiares de Maria Bonita. No Girau, realizou incursões e levou medo e morte àquela comunidade. Seguia com seu bando pelo sítio Fernandes quando avistou dois homens consertando uma cerca. Parou seu cavalo.

Vosmicês dous, se axegue aqui, falou Virgulino (2).

            Os dois homens se aproximaram daquele homem esbelto, todo cercado de apetrechos, olho esquerdo fechado, uma estrela de Davi reluzente na frente do chapéu de couro, punhal, peixeira, borná, cantil, anéis em todos os dedos das duas mãos, colares e broches, cartucheiras atravessando o tórax. Reconheceram o capitão Virgulino Ferreira, o Lampião.

            -Qual de vosmicês sabe donde mora Lino de Paula em Arapiraca?

            Um olhou para o outro. Fez-se silêncio.

            -Vamo, vamo, dis logo! Quem conhece Lino de Paula?

            -Eu sei, disse um deles.

            -Entonces vosmicê vai com nois. Bora, home, vosmicê vai mostrá o cabra.

Lampião dispensou o outro trabalhador. E disse:

-Vai simbora, home. E cuidado cum o que vosmicê fala.

O bando seguiu em fila em direção a Arapiraca. Era o dia 19 de abril de 1938, poucos meses antes do trucidamento em angicos, no Sergipe, quando Lampião, Maria Bonita e muitos seguidores foram assassinados.

No caminho, o informante colocou as duas mãos no estômago, fez cara feia:

-Capitão, estou apertado. Preciso ir pro mato fazer necessidade, disse.

                E se arrepiou todo.

            Lampião, então, parou o bando. Chamou um cabra e disse:

            -Vosmicê vá cum home e cuidado!

            O cabra e o informante se afastaram um pouco do bando e ficaram atrás de umas moitas. O homem soltou o cinto de couro cru, abriu e arriou a calça, abaixou-se. De cócora, começou a aliviar-se. Neste momento, o cabra que acompanhava o informante sentiu vontade de também fazer o mesmo. Ficou de costa, desceu a calça e começou a aliviar-se.

            O informante terminou de fazer o serviço, arrancou uma folha de mamoeiro, passou nas nádegas, levantou o corpo e vestiu-se. Olhou em volta e não viu o cabra acompanhante. E saiu de fininho, pro lado contrário a Arapiraca, E desembalou em disparada para os lados do sítio Novo.

            Aliviado, o cabra levantou-se, olho em volta e não viu o homem que fiscalizava. Olhou de novo, viu o alivio, a folha de mamoeiro suja e mais nada. O homem escafedeu-se.

            O cabra correu até o capitão e, esbafurido, disse:

            -Capitão, capitão, o cagão fugiu. Num tem nem vurto dele!

            -Vige, home, Cuma fugiu! Vam mosmicês tudo procurá o home! E traga de vorta.

            Mais de uma hora e nada do informante ser encontrado. Lampião, raivoso, desistiu de ir para Arapiraca. Desviou-se e seguiu até os Veados (hoje Canaã). Depois, Craíbas.

            O fujão, que era o próprio Lino de Paula, depois de passar correndo pelo sítio Novo, desceu até a Perucaba e seguiu até a localidade de Cacimbas, onde moravam muitos de seus parentes. Por onde passava, o aviso de que Lampião estava pertinho, no sítio Fernandes.

            O capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nunca soube que teve em seu poder, durante algum tempo, Lino de Paula Magalhães.       

Lugares percorridos por Lampião durante o ano de 1938 (do livro Lampião – a raposa das caatingas, de José Bezerra Lima Irmão)

*Jornalista

1.O fato ocorreu (citado por Zezito Guedes, em Arapiraca através dos Tempos, 1999; por Silvan Oliveira, em Lampião e a rota de fuga pelo agreste de Alagoas, 2017)

2.Os diálogos são fictícios