Era uma vez um paraíso habitado por muitas ovelhas. Eram tantas e havia uma quantidade tão grande de diferenças entre elas que era impossível deixar de perceber que ali ocorrera cruzamento de várias raças. Era um rebanho bastante diverso e, se para alguns nessa variedade de características residia a maior riqueza, para outros ali morava o perigo de degeneração do gado.
E se tinham ovelhas por certo haveriam de surgir os pastores, aqueles que tomariam para si a responsabilidade de liderarem o rebanho. Sendo eles próprios frutos desses cruzamentos, guardavam entre eles características bem distintas. Muitos deles se empenhavam na construção de um ambiente de paz, onde toda diversidade era bem vinda. Outros tantos desejavam formar servos para a edificação do seu próprio jardim de delícias e, para isso, convenceram a maioria das ovelhas que todos se beneficiariam das safras futuras daquele jardim.
Esse movimento resultou na escolha de uma das ovelhas menos capacitada para governar aquele paraíso. Alvoroçados com a possibilidade de influencia-la, já que conheciam a sua pouca capacidade cognitiva, os formadores de servos esqueceram que nas ovelhas pobres em atividade pensante prevalece a vontade emocional e afetiva. Assim, em primeiro lugar estariam posicionados os filhotes. No início, também não contaram com a imposição de dividir com os deuses dos latifúndios e os deuses do capital, tão queridos pela ovelha mandante, essa influência.
Repartidos os feudos, os pastores, interessados que são na formação de servos, escolheram o campo da educação para de lá colher suas barras de ouro. O empenho foi tão grande que saltou aos olhos de todas. Estavam tão à vontade naquele lugar que falaram livremente sobre o único caminho possível para se ter acesso a parte da safra daquele jardim, sem antes deixar claro que aquilo era uma ordem expressa da ovelha governante.
Algumas ovelhinhas foram levadas para conhecerem de perto o pastor capataz da educação e dele ouvirem como poderiam levar pra casa parte dos frutos cultivados por todas as ovelhas do paraíso. Era preciso dar ouro aos pastores, construir igrejas, comprar e distribuir bíblias. Não qualquer bíblia. Haveriam de ser compradas e distribuídas aquelas que tinham em suas capas os rostos do capataz e dos pastores.
Acuada com a possibilidade de ver mais uma vez suas falhas morais expostas, a ovelha governante não sabia responder quando questionada pelas ovelhas escreventes sobre a distribuição das riquezas do campo da educação. Restou a ela impor sigilo às conversas que teve com os pastores. Mas por quê? Afinal, aqueles tolinhos somente queriam ouro. E eu, ovelha desgarrada que sou, fiquei a refletir porque aqueles que se apresentam como donos da verdade que liberta, precisam esconder suas verdades. Para mim, o silêncio soou estranho, entretanto, sabendo que a legislação do paraíso admitia a classificação de informações em ultrassecretas, secretas e reservadas, busquei conhece-la melhor.
Podem receber esta classificação, entre outras, as informações que ponham em risco a defesa e a soberania do paraíso ou a integridade do seu território; que coloquem em risco a vida, a segurança ou a saúde de seu rebanho; que ofereçam elevado risco à sua estabilidade financeira, monetária e econômica; que causem riscos a planos ou operações das suas forças armadas e que comprometam atividades de inteligência do paraíso.
Teriam os pastores descoberto um plano de forças estrangeiras que ameaçaria a soberania daquele paraíso? Estariam eles dispostos a lutarem com suas barras de ouro para porem em fuga os inimigos? As bíblias com suas fotos seriam armas camufladas? As ovelhinhas que receberam frutos do campo da educação habitam em áreas estratégicas para o combate? As igrejas construídas seriam utilizadas para dar segurança à população? Ou já estariam eles a pensar num futuro próximo e esse ouro seria uma reserva para cobrir o déficit de uma crise econômica resultante dessa peleja? Você é capaz de acreditar em alguma dessas hipóteses? Não? Se sustenta o não, está correto. O sigilo foi decretado porque a divulgação poderia colocar em risco a vida da ovelha governante.
Mas como o encontro com esses pastores, conhecedores da verdade que liberta, podem causar danos a vida da ovelha governante? Que armadilha construíram para prender tal autoridade? Que objetivos teriam? Ao ser questionada a ovelha em risco de vida respondeu, em cem anos vocês saberão. Cem anos para conhecer a verdade que libertará?!
Não estando confortável nesse breu das tocas, essa ovelha desgarrada volta-se para luz e ouve Chico Buarque cantar “apesar de você amanhã há de ser outro dia, inda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria. Você vai amargar, vendo o dia raiar sem lhe pedir licença. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir, antes que você pensa”. E esse é o meu ouro.