O pensamento político não se confunde nem com as ideologias nem com a filosofia. Dependente de uma cultura autônoma, afirma-se na prática política e dela é contemporâneo. Traduz, mesmo não sendo um conhecimento formulado, a realidade do seu tempo, já que é determinado pela ação no campo político.
No Brasil, suas primeiras aparições se deram no período da Independência e manifestavam o desejo de fazer nascer uma república, livrando-se da dominação portuguesa. Ainda não havia um sentimento de Nação, tratava-se da luta de alguns grupos contra a exploração da Coroa.
Na constituinte de 1823 o republicanismo já acendera, despontou outra vez em 1831 para ressurgir com mais ímpeto em 1870 e desenvolver-se até 1889 quando finalmente se proclamou a República. Todavia, não se pode creditar aos republicanos o nascimento do novo regime, este resultou de uma ação militar que mudou os rumos do movimento pró-república, tirando-lhe a vitalidade.
Nasceu a República pela Carta constitucional promulgada em 24 de fevereiro de 1891. A legislação republicana recepcionou o dispositivo eleitoral do Império e manteve o voto direto, estando desse direito excluídos os analfabetos, as mulheres, os mendigos e os religiosos.
Nos governos oligárquicos a representatividade também foi relegada. Segundo o cientista político e historiador brasileiro José Murilo de Carvalho os resultados eleitorais eram às vezes absurdos, sem nenhuma relação com o tamanho do eleitorado. Com a posse de Vargas, um novo sistema eleitoral foi estabelecido. A legitimidade das eleições passou a ser verificada pela recém-fundada Justiça Eleitoral e o direito ao voto foi estendido às mulheres.
Desde então as regras eleitorais têm sido constantemente modificadas, entretanto as mudanças promovidas tendem a beneficiar aqueles que a conduzem, ou seja, aos que já possuem mandato e isso tem cristalizado a subrepresentatividade das mulheres. Em comparação a boa parte dos países latinos americanos que veem criando normas para aumentar significativamente a representação feminina, o Brasil tem avançado pouco.
A Argentina saiu na frente com a criação das cotas de gênero em 1991 e se tornou, percentualmente, um dos 20 países no mundo com maior representação feminina. No Equador, Bolívia e México a paridade de gênero é regra constitucional. No Brasil, os partidos políticos são obrigados a reservarem 30 % de suas candidaturas para as câmaras municipais, assembleias legislativas estaduais e câmara federal às mulheres. No entanto, a presença das mulheres na lista de candidatos não vem acompanhada de esforços para dar viabilidade a essas candidaturas.
Em razão disso, em 2021, aprovou-se uma Lei que poderia dar às candidatas a garantia de recursos que as tornassem mais competitivas. A regra aprovada prever que os votos dados a elas contam em dobro para a distribuição de recursos do fundo público de campanha. Mas o mesmo Congresso que aprovou tal medida resolveu não punir os partidos que desrespeitando a lei investiram os recursos em desfavor de suas candidatas.
Apesar da sub-representação feminina, ou talvez em razão dela, são as legisladoras que se mostram mais preocupadas com a representação política dos grupos marginalizados. Na legislatura de 2018 a 2022, deputadas e senadoras apresentaram, percentualmente, quatro vezes mais projetos de leis com a intenção de reduzir essa subrepresentatividade do que senadores e deputados. Nenhuma dessas propostas foi rejeitada, entretanto legisladores que não desejam se expor publicamente contrário a elas atrasam a sua tramitação e elas acabam por serem arquivadas, ao fim da legislatura. Dessa forma, os projetos de lei com potencial de promover significativas mudanças no quadro eleitoral nunca são aprovados.
Apesar da subrepresentatividade a bancada feminina tem buscado a garantia dos direitos para grupos marginalizados e, especialmente esse mês, incluiu na pauta para discussão no senado projetos que asseguram os direitos e a proteção para as mulheres. Entre eles o que altera a Lei de Execução Penal para tratar como grave conduta a pessoa já condenada que se aproximar da residência ou local de trabalho da vítima; a criação de mais delegacias especializadas no atendimento à mulher, com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública; a criação nos estados e Distrito Federal das chamadas Patrulhas Maria da Penha; a inclusão no texto da Lei Maria da Penha de medidas de atendimento à mulher com deficiência, vítima de violência doméstica e familiar e; a proposta que obriga a presença das mulheres nas Mesas e comissões do Senado e da Câmara.
Leitoras, nas próximas eleições, pensem na oportunidade que temos de mudar o pensamento político brasileiro para assegurar os direitos que nos faltam e, como Clarice Lispector, digam: sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida… Tenho dificuldades para fazê-la forte, tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz.