O PRESENTE SALVO PELOS LEITORES

Não dá para colocar a vida em um poema, mas dá para colocar muitos poemas em uma vida, escreveu-me uma nova amiga que se tornou leitora dos meus textos. Seduzida pelo comentário, no primeiro momento tentei imaginar uma vida sem versos, sem rima, sem arte. Para logo depois desejar como Caetano Veloso “amar o amor, construir uma dulcíssima prisão, encontrar a mais justa adequação, tudo com métrica e rima”, porque sem arte não existe cor, nem som, nem imagem; somente alienação e dor. 

A ideia da arte como fundamento da vida parece estar pacificada entre os que gastam seu precioso tempo lendo o que escrevo. Por isso não foi com surpresa que li de uma arquiteta, a quem me refiro como a dona de todas as cores, a crítica sobre O OURO DOS NÃO TOLOS. Disse-me ela – ‘massa, mas amo o anterior, não político, poético’! E uma talentosa fotógrafa ao ler NÃO É HUMANO, É DIVINO, escreveu – ‘amo a arte! Ela realmente nos aproxima de Deus’.

Estou convencida que entre os leitores existe a certeza da nossa necessidade de fazer e consumir arte. Fiquei ainda mais segura disso quando ouvi a poetisa Matilde Campilho falar “a poesia, a música, uma pintura não salva o mundo, mas salva o minuto”. Posso garantir que todos os comentários que recebo sobre os meus artigos podem ser assim classificados, porque sempre salvam o presente. 

Vejam se não tenho razão. Quando li a observação sobre o artigo A LUZ ESTRELAR E UM NOVO TEMPO – ‘seu texto é uma busca do nosso eu desacreditado para uma sacudida da esperança’, senti-me com forças para aceitar o convite feito por outra amiga e leitora – ‘vamos abrir nossas janelas. Que venha o verde, a luz e o amor e muita coragem. Ainda há tempo’! 

Tempo e coragem para fantasiar como fez aquela que revelou seu encantamento pela – ‘imagem de um arado preso às estrelas, revolvendo a terra para fazer brotar o amor’. Ela sabe que cultivar o amor é uma audácia em tempos de ódio. Mas querida leitora, Belchior, com leveza e rigor estético, nos aponta o caminho para transformar o velho no novo, “é nunca fazer nada que o mestre mandar. Sempre desobedecer. Nunca reverenciar”.

Transformar o velho no novo exige também a realização de uma JORNADA ARRISCADA e esta impõe correr riscos emocionais como fez aquela que me escreveu dizendo – ‘vieram lembranças e muitos sentimentos de amor, carinho, afeto, medos, certezas, incertezas, boas lembranças… tudo, tudo espalhado em cada cantinho de mim mesma e pela casa’.  E foi com semelhante mistura de sentimentos que um leitor parafraseando Mia Couto assentou – ‘tenho saudades da minha mãe apenas quando a mim mesmo me falto’. Ah como dói essas faltas que nos obrigam a refletir sobre COMO SEREMOS LEMBRADOS!

Dolorosa também é a ausência de corpo presente expressada por uma ex aluna querida ainda hoje – ‘lembro do meu pai ao ler esse texto, saudades do homem, pai, amigo, base que ele sempre foi. E hoje vive as suas próprias lembranças. Mas estamos aqui para cuidar e lembrar tudo que ele já fez’. Diante disso, como deixar de pensar sobre que ausência seremos?

Ponderar sobre isso se fez obrigatório, mas me invadiu de uma pressa incompatível com as lições recebidas das plantas e, não sabia em que direção caminhar. Busquei consolo em Fernando Pessoa e com ele indaguei “que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou”? Uma leitora então rabiscou o roteiro e nele tinha que é necessário reforçar – ‘o convite ao estado de presença no propósito da vida e ter a dignidade de ser inteiro a cada momento’.

Vamos combinar que isso não é fácil?! Atenta, ela parece ter visto o medo que de mim se apossou e falou – ‘é pelas feridas que a luz penetra’. Uma outra me acalmou com seu doce saber – ‘basta nos conectarmos com a pureza do voar de uma borboleta ou o balbuciar dos pequenos anjos chamados crianças. Eles têm a força de extrair o melhor de nós para iluminar nosso interior e dosar nossos sentimentos’. 

Confiante, hospedei-me no colo dos leitores e procurei a luz. Encontrei Alice e sua receita de felicidade citada NA MALHA FINA DO INDESCRITÍVEL. Iluminada, entreguei-me inteira e descobri que a cura das feridas virá de energias como aquela originada diariamente pela voz da criança se despedindo da babá e do gari, tratada em A PAZ MORA AO LADO

Continuo pensando bastante sobre tudo isso e ainda não sei o que sou, mas agora já sei o que quero ser. Quero ser feliz como Alice; quero ser uma voz que ecoa a paz como a criança ao lado e quero espalhar carinho e salvar o presente como fazem meus leitores.