O REINO DA LOROTA

Humanos são falíveis. Assumir isso é libertador! Não querer está sempre com a razão nos livra da prisão das desculpas esfarrapadas, que cobram ser lembradas e repetidas sempre que nossos erros não reconhecidos servirem de armas em mãos alheias. Ademais, tratar o erro como condição humana fundamental para a aprendizagem é se entender como alguém em contínuo processo de crescimento. E estar sempre crescendo é promissor.

O contrário disso também é verdadeiro. Os que nunca admitem seus erros, repetem continuadamente as mesmas incorreções. Aprisionados a uma falsa narrativa, se veem diminuídos todas as vezes que a verdade toca suas faces. Permanentemente apequenados, os donos da razão estão sempre desprovidos dela. 

A entrevista com o candidato à reeleição para presidente do Brasil exibida na segunda feira, dia 22, pelo Jornal Nacional da TV Globo, expôs isso. As lorotas contadas não se sustentaram diante da verdade. Tornou-se necessário culpar ministros de tribunais, a imprensa, os governos da França, da Alemanha, os ribeirinhos da Amazônia e nunca parar de mentir. Enfim, o candidato mostrou-se limitado ao cubículo das inverdades repetidas. 

A ciência tem estudado esse fenômeno e apresenta classes onde acomoda os diversos tipos de mentiras e de mentirosos. A psiquiatria, por exemplo, no diz que os mentirosos compulsivos, que assim agem apenas pelo prazer de mentir, devem ser considerados mitomaníacos e que a mitomania tem tratamento. Todavia, alerta, se esta compulsão pela mentira vem acompanhada de cálculos de ganhos futuros, o mentiroso está tentando lhe engabelar. Se conseguir, ele ganha, você perde. 

Voltando à entrevista do candidato à reeleição, não causou espanto, no dia seguinte, seus aliados comemorarem o fato dele não ter se desequilibrado e; de não ter sido grosseiro com a apresentadora Renata Vasconcellos. Isso se deu porque mesmo aqueles que o acompanham sabem ser ele uma pessoa despreparada para o cargo, desequilibrada e boçal. Um indivíduo que não respeita as mulheres. Um chambão que precisa ser contido no seu intento de humilhá-las no momento em que precisa de seus votos.

De outra forma teriam incentivado o governante a aproveitar o momento para falar algo do seu governo que conquistasse eleitores indecisos. Entretanto, também conhecem suas limitações cognitivas, refletidas em seu vocabulário diminuto, que somente encontra eco nos já convertidos. Resta a equipe que trabalha para a sua reeleição dizer “adiro à suposta verdade contingente que, de verdade, mente”, sem refletir sobre a existência de outra rota como fez Carlos Drummond em ‘Dois Rumos’. 

Nas redes sociais, plataformas preferidas pelo atual presidente para proferir seus discursos, a maioria dos internautas escolheu um outro caminho. Monitoradas pela Quaest durante o programa, os dados mostram que 9 milhões de pessoas foram impactadas com postagens enquanto a entrevista era exibida. O candidato obteve 35% de menções positivas e 65% de menções negativas, considerando os quarenta minutos do jornal dedicados às perguntas, respostas e considerações finais. Indicando como certeira a previsão de Thiago Mello de que “quando a verdade for flama nos olhos da multidão, o que em nós hoje é palavra no povo vai ser ação” e, nesse dia, quase nada sobrará do contador de lorotas e do seu reino.