É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, cantou Legião Urbana. E se a mim fosse dada a possibilidade de completar o refrão diria: ao despertar no outro amanhã ame com a mesma intensidade. Repita a receita nos dias seguintes, porque como afirmou Fernando Brant “o medo de amar é o medo de ser livre. Livre para sempre estar onde o justo estiver”.
Todavia, amar as pessoas não é orgânico, não vem senão pela consciência de que não existe liberdade em ambientes de profundas desigualdades socioeconômicas. Amar as pessoas é amar a liberdade. E “o medo de amar é não arriscar. Esperando que façam por nós o que é nosso dever”, continua Brant.
O esperar que façam por nós levou o Brasil de volta ao mapa da fome, antes mesmo de avançar em questões cruciais para enfrentar os graves efeitos do histórico desleixo dos sucessivos governos com o povo brasileiro. Essa fome, portanto, fala mais de nós que não passamos por ela do que dos mais de 33 milhões de brasileiros que hoje não comerão. É preciso encarar a face mais violenta da miséria porque ela simboliza o nosso fracasso como cidadãos e como cristãos.
A fome é também a falência da nação brasileira impulsionada pelo desmonte iniciado em 2016 da já pouca proteção social existente no país, agravada pelo governo atual. O programa Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, deixou quase metade dos antes beneficiados sem acesso à renda, em 2021. O programa de aquisição alimentar, criado em 2003 na agenda de combate à fome, teve uma drástica redução nos valores aplicados, passando R$ 1,04 bilhão no governo do Partido dos Trabalhadores para R$181,05 mil no governo atual. O resultado não podia ser outro, são 125,2 milhões de brasileiros em insegurança alimentar. Quase 60% da população do país sem acesso pleno e permanente a alimentos.
Tal situação lembrou-me uma entrevista dada por um turista português, em um canal local, no final dos anos 90, na orla da Jatiúca, antes, portanto, do Partido dos Trabalhadores chegar ao poder e decidir enfrentar a insegurança alimentar com políticas públicas que se tornaram referências mundiais no combate à fome. Ao ser questionado sobre o que ele estava achando de Maceió, respondeu: “é linda, mas aconselho a quem deseja vir para cá deixar o coração em casa. É triste testemunhar a quantidade de pessoas famintas pelas ruas”. Infelizmente esse é o nosso retrato atual. Retrocedemos e é assim que nos vêem os que nos visitam. Essa é a nossa identidade.
Ademais, como nos diz Ferreira Gullar ‘o preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás, a luz…” A inflação corrói o poder de compra e o consumo sobretudo dos alimentos tem diminuído nos lares do país. Para o governo brasileiro, sem disposição e competência para enfrentar os problemas agravados pela sua atuação desastrosa, restou solicitar aos comerciantes de alimentos que diminuíssem a margem de lucro da cesta básica. A resposta recebida, no ano passado, quando a proposta foi feita pela primeira vez, foi “não vamos ser vilões de uma coisa que não somos responsáveis”. Hoje desejam que o governo reduza o ICMS dos produtos que compõem essa cesta.
A irresponsabilidade declarada e já esperada não nos espanta, como disse Thomas Bustamante “o Brasil será salvo pelos pretos, pobres, mulheres e nordestinos, estes parecem entender muito mais de civilidade e respeito do que aqueles que tradicionalmente mandaram”. Confesso que possuo essa crença, apenas somaria a eles a absoluta maioria dos trabalhadores brasileiros. Somente a força e a coragem destes que diariamente tentam construir um país melhor podem mudar o quadro atual.
Olhem para a fome, sintam-se responsáveis por ela e juntem-se a eles. Unidos derrotaremos todo e qualquer processo de destruição do nosso país e seremos conhecidos como aqueles que venceram a fome, apesar da elite e dos últimos governos. E essa será nossa nova identidade.