Nuvens carregadas pairam sobre nossas cabeças. Quando os vapores que as formam se condensam e as águas caem, levam sonhos e o pouco que foi possível acumular. Cidades inteiras submersas. Vidas perdidas. Famílias destruídas. Dores alheias que machucam meu peito como um dia já feriram também os de Pablo Neruda “sou e não sou: é esse o meu destino. Não sou, se não acompanho as dores dos que sofrem; são dores minhas.”
Nossas dores, no entanto, não impedirão a formação dos vapores, nem frearão a precipitação das águas que, de novo, levarão as casas e os amores daqueles que o excesso de chuvas parece desejar desesperançar. Todavia, “se cada dia cai, dentro de cada noite há um poço onde a claridade está presa. Há que sentar-se na beira do poço da sombra e pescar a luz caída”, ensina-nos Neruda.
Creio que esse é o exercício diário dos ambientalistas e indigenistas – pescar a luz caída – mas no Brasil eles estão sendo caçados e assassinados junto com os povos nativos porque buscam o equilíbrio das forças naturais. Equilíbrio que salvaria vidas, amores e o pouco que se pôde conquistar. Natureza preservada, vidas, amores e conquistas mantidas. Alegrias alheias que preencheriam o meu peito. Utopias nossas. Entretanto, nossos sonhos são incapazes de reprimir o mal que mata homens e mulheres de luta, com aval do atual governo federal. Devemos, portanto, oferecer mais do que nossas dores e nossos sonhos, devemos dizer como Thiago Mello ‘aqui está a minha vida. Pronta para ser usada. Vida que não guarda, nem se esquiva, assustada. Vida sempre a serviço da vida”.
Se esquivar assustada está distante do que fez a cantora Anitta diante da iminente barbárie política, no Brasil. A artista, que anteriormente tinha se posicionado simpatizante da terceira via nas eleições, deu o exemplo oferecendo suas redes sociais para a campanha do Partido dos Trabalhadores: “a partir deste momento eu sou Lulalá primeiro turno. E lutarei por uma novidade política presidencial brasileira nas próximas eleições”.
Não há outra coisa a fazer. A espada de Dâmocles se encontra presa pelo fio frágil do nosso regime político que ameaça romper. O rompimento dele mataria mais que as águas e se multiplicariam os caçadores assassinos. Vidas interrompidas. Sonhos desfeitos. Nação destruída.
Os sinais disso são inquestionáveis: os drones que espalharam veneno sobre apoiadores de Lula e Kallil , em Minas Gerais; a bomba caseira no evento com Lula e Freixo, no Rio de Janeiro; o saco de fezes e ovos no pára-brisa do juiz Borelli, que emitiu ordens de prisão para o ex ministro da educação e os pastores acusados de corrupção no governo Bolsonaro, em Brasília; o tiro na janela da redação do jornal Folha de São Paulo e agora a morte de um dirigente do Partido dos Trabalhadores, no Paraná. Como disse o presidenciável Ciro Gomes, PDT, mesmo as autorias sendo diversas, elas têm o mesmo berço. “O berço é o ninho onde as ditaduras chocam seus ovos de serpente”.
O ninho que suga os sonhos, aprisiona a liberdade, destrói vidas, inunda de sangue o país e esconde a covardia dos que têm o dever de fazer e, criminosamente, optam pela cumplicidade. Para o senador sergipano Alessandro Vieira – PSDB, a tragédia no Paraná “é consequência previsível do clima de violência política armada que é estimulado diariamente por Bolsonaro e seus parceiros, com a tolerância do Congresso e dos órgãos de controle”. Conluio de covardes.
Este conluio tenta nos paralisar pelo medo. Não conseguirá. Não seremos cúmplices. Continuaremos cultivando a paz, mas isso jamais deve ser confundido com passividade. Nosso comportamento pacífico indica que somos civilizados e em nossas lutas usamos outras armas e, estas não são instrumentos de morte, pelo contrário, são ferramentas de vida em plenitude.
Ocupar-se de viver ou ocupar-se de morrer – frase inspiradora do filme de Frank Darabont, ‘Um sonho de liberdade’, que embora ambientado numa prisão, ou talvez por isso, mostra o valor da liberdade. Não abriremos mão dela. Livres e sem medo da felicidade, pescaremos do poço da sombra a luz caída e diremos: estamos ocupados do viver e, em razão disso, é LULA, já no primeiro turno.