Preservação de mural artístico reacende polêmicas sobre Clube dos Fumicultores

Obra de arte é relacionada em ação judicial que emperra processo de salvação do clube

Foto: Roberto Baía

Uma obra de arte que representa a mola propulsora do crescimento de Arapiraca, a cultura fumageira, está no cerne de mais uma questão movida na justiça contra o Clube dos Fumicultores. A instituição social foi obrigada, por meio de decisão liminar, a suspender o processo de permuta lançado por meio concorrência pública que já tem vencedor definido e etapas em andamento.
A paralisação do prosseguimento do que está previsto no edital lançado em dezembro do ano passado coloca em risco o planejamento feito pela diretoria do Clube dos Fumicultores para quitar os débitos da entidade e reconstruí-la em novo local, conforme as informações passadas ao Jornal de Arapiraca na tarde de terça-feira, 08.
O editor-chefe do impresso quinzenal, Roberto Baía, e a repórter Lysanne Ferro conversaram com Waldson Kleber Ernesto Bezerra, presidente atual do Clube dos Fumicultores; Carlos Lúcio, presidente do Conselho Administrativo; Fabrízio Almeida, presidente da Comissão Especial da Concorrência Pública responsável pela publicação do edital; e o advogado Ricardo Leite.
A comissão expôs a situação do clube fundado em 1949 que contava até pouco tempo com cerca de 50 sócios adimplentes e uma renda mensal de aproximadamente três mil reais. De fato, é quase nada diante do que a entidade representa para o Agreste alagoano, mas a decadência dos clubes sociais não poupou o espaço que tem lugar especial na memória afetiva dos arapiraquenses.
Dívidas e sede interditada
Ainda de acordo com os dados apresentados à dupla de jornalistas do JA, a soma de todas as dívidas do Clube dos Fumicultores ultrapassa um milhão de reais (R$ 1.150.000,00) e o patrimônio tem valor equivalente a R$ 8.120.000,00 (oito milhões e cento e vinte mil reais). Sem apoio dos associados e com a sede interditada pelo Corpo de Bombeiros devido ao risco de desabamento, a diretoria iniciou um trabalho que pretende preservar a entidade, mesmo que em outro local.
O plano que preserva a entidade, com a proposta de permuta, foi apresentado e discutido em assembleias gerais, tudo feito de acordo com o estatuto, asseguram os diretores.
Eles informam ainda que o vencedor da concorrência assume os débitos do Clube dos Fumicultores, no valor estabelecidos nos dados incluídos no edital que estabelece o prazo de até 24 meses para a entrega da nova sede, uma área localizada na comunidade Massaranduba, distante cerca de 6 km do centro da cidade, com acesso por via asfaltada e terreno mais amplo, inclusive com espaço para estacionamento de veículos, construção de quadras, campo de futebol, parque aquático e outros atrativos pensados para resgatar o convívio entre os sócios que deixou de existir. Somente depois de tudo isso pronto e entregue pelo vencedor no edital, a sede original deixa de pertencer ao Clube dos Fumicultores e passa a pertencer ao novo dono.
Painel patrimônio arapiraquense
Todo esse processo se encontra em estágio avançado, após a definição do vencedor na concorrência pública paralisada desde o final de janeiro, quando a juíza Clarissa Oliveira Mascarenhas, da 2ª Vara Cível de Arapiraca, decidiu pela necessidade de preservar o mural de autoria do artista plástico Ismael Pereira.
A obra de características modernistas instalada em 1968 na parede principal do salão nobre do Clube dos Fumicultores é patrimônio material, histórico e cultural de Arapiraca desde janeiro de 2020, quando a lei de autoria da Vereadora Gilvania Barros foi sancionada pelo então Prefeito Rogério Teófilo.
Dada a importância do painel que representa todo o ciclo da cultura fumageira – elaborado e executado por Ismael Pereira durante cerca de três meses, utilizando materiais como acrílico, ferro, aço e texturas de baixo e alto relevo – a juíza entende pela necessidade de resguardar a integridade do mural cujo edital de permuta do clube “não deixa claro o suficiente a forma como será realizada a preservação da obra”, conforme consta na decisão liminar que estipula inclusive multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia, limitado ao valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para o descumprimento da suspensão do edital e impedimento de qualquer tipo de intervenção no mural artístico.
Edital suspenso e multa
Notificado em 01 de fevereiro sobre a consequência imediata da ação movida pela Associação de Aposentados, Pensionistas e Idosos de Arapiraca, o Clube dos Fumicultores acatou a ordem para suspender o edital, mas já não pode atender o que diz respeito ao painel, conforme comprovado pelo oficial de justiça no ato processual.
O mural já havia sido removido justamente para que pudesse ser desmontado de maneira adequada, antes que uma nova ação da natureza causasse danos ao patrimônio, conforme justificaram os diretores ao Jornal de Arapiraca.
Eles informam que as fortes chuvas do final do ano passado causaram novos danos na área do salão do nobre e com a perspectiva de mais trovoadas em janeiro, como historicamente acontece na região Agreste, a retirada foi decidida em 06 de dezembro como forma de salvaguardar a obra de arte.
A comissão afirma que um arquiteto fez todo o mapeamento do mural para que se tenha o registro minucioso do painel, estudo anterior à remoção feita entre os dias 7 e 8 de janeiro, trabalho que servirá como guia para a posterior instalação na próxima sede do clube, em espaço previamente já reservado na nova casa definido nas cláusulas do contrato, segundo informaram à reportagem.
Os diretores ressaltam ainda que todas as peças estão devidamente preservadas e temem que a paralisação do edital gere o aumento das dívidas do clube e onere ainda mais as obras da nova sede, inclusive da reinstalação do mural que havia perdido parte de sua originalidade em função de pinturas e reformas realizadas ao longo do tempo na sede do clube, conforme alegaram os diretores na entrevista exclusiva concedida ao JA.
Ismael Pereira
A reportagem manteve contato por telefone com Ismael Pereira na tarde de ontem. O autor do mural, ex-vereador por Arapiraca e ex-deputado estadual por Alagoas contesta que tenham ocorrido eventuais interferências no mural, exceto a instalação de ventilador na mesma parede que suporta sua obra de arte.
Além disso, a remoção do painel causa indignação no autor da obra que sente-se desrespeitado em seus direitos autorais e analisa a medida como ‘crime irreparável’, passível inclusive de ação por danos morais e materiais, mesmo que o trabalho tenha sido encomendado e pago pelo Clube dos Fumicultores, à época sob a presidência de Severino Lúcio, com recorda com lucidez sobre todo o trabalho histórico.
“Mesmo sem o tônus do tombamento, o mural merece pelo menos uma visualização mais respeitosa, eles não calcularam e terão muitos problemas para se explicar junto ao Ministério Público e à justiça”, afirma o artista plástico que, sem pestanejar, rechaça a possibilidade de atuar ou autorizar a reinstalação do mural, fora de seu local original.

Fonte: Jornal de Arapiraca/ Fernando Vinicius