Retirada de mural artístico do Clube dos Fumicultores revolta arapiraquenses

Foto: Arquivo Clube dos Fumicultores

A retirada das peças que compõem o mural artístico feito pelo artista plástico e ex vereador de Arapiraca, Ismael Pereira, da sede do Clube dos Fumicultores gerou indignação em arapiraquenses. A foto da parede do mural, agora apenas com as marcas dos materiais de acrílico, ferro e texturas de baixo e alto relevo, representa o impasse que segue na justiça, uma vez que o Clube já possui um vencedor do edital de permuta que foi suspenso recentemente após uma decisão liminar para preservação do mural artístico, produzido em 1968, na sede do Clube que marcou gerações da capital do fumo.

A decisão liminar da juíza Clarissa Oliveira Mascarenhas, da 2ª Vara Cível de Arapiraca, se deu após a Associação dos Aposentados, Pensionistas e Idosos de Arapiraca apresentarem uma ação pública que solicitava a preservação do painel, já quem 2020 se tornou patrimônio histórico e cultural da cidade de Arapiraca através de uma lei da vereadora da época Gilvania Barros.

Para o advogado que representa a Associação na causa, Pedro Gomes, a decisão foi plausível para garantir a preservação do patrimônio. “Acreditamos que a juíza tomou a decisão mais acertada possível, de resguardar o patrimônio público, histórico e cultural. O direito da coletividade em ter patrimônio cultural e material preservado se sobrepõe a qualquer interesse econômico de particulares”, explicou.

Segundo ele, o processo agora segue para ouvir alguns órgãos, entre eles o Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). “Estamos aguardando o Ministério Público se manifestar, o Iphan também se manifestar, a própria prefeitura e a Câmara dos Vereadores. Tão logo a manifestação deles ocorram ou passem o prazo, vamos pedir a execução da multa, porque pelas informações que temos o clube dos fumicultores permanece descumprindo uma decisão judicial”, revelou com exclusividade para nossa reportagem.

Mesmo cumprindo em partes a decisão judicial, com o edital suspenso. A remoção das peças do painel ocorreu antes da diretoria do Clube ser notificada, segundo os representantes atuais do Clube dos Fumicultores. Assim, quando o oficial de justiça foi averiguar as condições do local se deparou com a parede apenas com marcas das peças que passaram mais de 50 anos e constou nos autos do processo. A diretoria afirma que retirou as peças para evitar maiores danos, pois na época as fortes chuvas deterioraram o teto do clube que já vinha interditado pelo Corpo de Bombeiros. Segundo os diretores, a retirada foi acompanhada de uma arquiteta que fez o mapeamento para que o painel possa ser montado em um novo lugar e as peças estão guardadas em um local que não foi informado.

“O mural até hoje vem levando o nome de Arapiraca para fora, o mural foi motivo de uma exposição em Recife, recentemente. De fato, quando se fala em Arapiraca e as artes de Arapiraca fora do estado, ele é referência. A forma que o mural foi construído é também a forma de representar Arapiraca perante a sociedade do Brasil e do mundo inteiro”, defende o advogado.

Decisão judicial determina preservação da obra de arte em Arapiraca

Entretanto, há quem discorde da versão apresentada pela diretoria. O ex-presidente do Clube José Lúcio de Souza, mais conhecido como Zé Lúcio, questiona a informação apresentada pela diretoria. Segundo ele, a parede que se encontrava o mural era resistente e nunca passou por pinturas. “Aquela obra maravilhosa representa nosso fumo, a região fumageira, nossa capital do fumo que Ismael fez. Eu disse na assembleia de permuta ‘vocês vão cometer um crime grave, não façam isso’. Eles disseram que as paredes do Clube dos Fumicultores estavam prestes a cair. Mas, as duas paredes são dobradas construídas na época com tijolo dobrado. Eles chegaram em 2018 no Clube e não sabem de nada sobre a história do clube”, afirmou categoricamente.

A população também ficou insatisfeita com a notícia. O professor da Uneal, Ronaldo Leão, se indignou com a retirada. “Eu considero um crime contra o patrimônio cultural da cidade. Desde a minha infância eu admirava a beleza daquele painel; e só na fase adulta vim a entender o valor cultural daquela obra. Ela é um retrato vivo da arte modernista inaugurada pela semana de arte moderna que este ano completa 100 anos. É inadmissível que uma obra daquela tenha sido retirada daquele local”, comentou.

A situação financeira do Clube seguirá por mais algum tempo indefinida, já que segundo a diretoria, os débitos ultrapassam um milhão de reais, e a decisão liminar da justiça impõe uma multa diária de R$ 5.000,00, limitado ao valor de R$ 500.000,00 pelo descumprimento da suspensão da permuta e quaisquer alterações que prejudiquem a preservação do mural artístico. Os caminhos possíveis para o futuro do Clube que está ligado intrinsecamente à história da capital do agreste alagoano depende do diálogo, como propõe a Associação. “A Associação entende que as dificuldades financeiras são sérias e merecem ser levadas em consideração, porém a forma na qual foi elaborada o edital de permuta não correspondeu a melhor técnica possível de nenhuma maneira. Ele não correspondeu uma melhor técnica do ponto de vista financeiro, jurídico e de resguardar o patrimônio da cidade. Ele foi, a grosso modo, feito de maneira muito amadora. Fachada e mural devem ser preservados, independente do que se transforme o clube, mesmo que se transforme em um empreendimento particular como é o intento da diretoria de clube. Eles deveriam ter colocado em seu edital uma maneira que a fachada e o mural do clube permanecessem preservados. Da mesma forma que o Marista preservou a fachada da sua escola mesmo vendendo e transformado em condomínio residencial”, explanou o representante jurídico da Associação.

Para o ex-presidente, é doloroso acompanhar o que tem acontecido com o Clube. “Dói demais em mim isso acontecer, eu sou contra e permanecerei contra essa permuta. Quero parabenizar a juíza Clarissa Mascarenhas pela atitude dela porque aquilo ali é um patrimônio público. Os Fumicultores é para nós a nossa casa. Sou a favor que o clube permaneça onde está”, defendeu Zé Lúcio.

O que irá acontecer com o Clube ainda é uma incógnita, assim como o mural artístico de Ismael Pereira, que já não está mais na sede do Clube dos Fumicultores.

Fonte: Tribuna Independente