Existem feridas que em vez de abrirem nossa pele, abrem nossos olhos. Dizem ser de Pablo Neruda esta frase. Desconheço grande parte da obra do poeta chileno por isso não posso afirmar que tenha sido ele a escrevê-la. Contudo o despertar pela dor, o penoso caminho para o aprendizado e quem sabe para a tomada da consciência que ela expressa cabe sobremaneira no comportamento atual da maioria dos brasileiros.
O Brasil acordou para a verdade sobre a nova política, responsável pela mais desastrosa gestão do país. São mais de meio milhão de mortes pela COVID 19, 14,8 milhões de desempregados, quase 20 milhões de pessoas passando fome, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan) e a extrema pobreza passou de 4,5% da população para 12,8%.
Segundo o instituto Datafolha, 51% dos brasileiros reprovam o governo Bolsonaro. A pesquisa feita entre os dias 07 e 08 de julho, entrevistou 2074 brasileiros com mais de 16 anos e de todas as classes sociais, em 146 municípios de todas as regiões do Brasil. Em relação ao presidente 58% dos entrevistados o consideram despreparado, 59% incompetente, 57% pouco inteligente, 52% desonesto e 63% incapaz de governar o país.
Pesquisas realizadas por diversos institutos apontam para a derrota do atual mandatário, que se chegar ao segundo turno será mais pela incapacidade da terceira via apresentar uma candidatura competitiva do que por mérito. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do partido dos trabalhadores, aparece como vencedor em todos os cenários testados, indicando que os brasileiros escolheram sair dos atuais desmandos administrativos pela esquerda. Em face disso Jair Bolsonaro passou a investir contra as eleições de 2022, ameaçando a realização do próximo pleito.
As agressões à democracia feitas diariamente pelo presidente da República não podem ser consideradas bravatas. Primeiro porque durante os quase trinta anos como parlamentar, Jair Bolsonaro defendeu a tortura e aplaudiu torturadores. Há, portanto, um claro desejo de exterminar seus adversários. Segundo, pelo envolvimento de membros das forças armadas do país nesse projeto. Não é saudável esquecer que a tortura aplaudida pelo atual governante foi executada pelos militares enquanto governavam. Terceiro, pela influência negativa destas ideias em seus seguidores.
Em relação a isso a tarefa para o futuro deverá ser a mesma assumida pelos alemães na formação de suas crianças e jovens contra o nazismo. O Holocausto, que matou seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, faz parte da grade curricular de escolas públicas e privadas, e da formação dos professores. Conforme matéria publicada na BBC a abordagem pedagógica sobre esse capítulo histórico procura promover uma reflexão crítica sobre o passado e a sociedade, além de buscar evitar que esses crimes voltem a ocorrer na Alemanha.
A esquerda, se vencedora nas próximas eleições, não pode tergiversar sobre assunto tão sério. Deverá enfrentar os conservadores que atuarão para que temas espinhosos a eles não sejam amplamente discutidos com a mesma coragem que lutou durante os governos autoritários.
Além da inclusão nos livros didáticos, as nossas feridas devem ganhar o máximo de exposição nos múltiplos espaços educativos e nas diversas artes. A nenhum brasileiro deverá ser negado o conhecimento das páginas infelizes da nossa história, que não sejam elas passagens desbotadas na memória das novas gerações, como cantou Chico Buarque.
Lúcia Barbosa
Mestra em Gestão Pública
Autora do Livro Eleições no Brasil/2010:
uma análise dos manifestos em defesa da democracia