A história de Arapiraca passa, necessariamente, pela praça Marques da Silva, antes denominada praça Gabino Besouro. Era simples, com uma cacimba d’água ao meio, em frente ao antigo cine Trianon, toda ela arrodeada de pés de fícus, bancos de cimento, quatro enormes árvores que faziam sombra durante todo o dia. Nela existia, além do citado cinema, um banco (Banco da Lavoura S.A.), uma farmácia (pertencente ao ex–deputado José Lúcio de Melo), um hotel (o Estrela), dois restaurantes, um posto de combustível (a USGA) de Joaquim Bezerra, uma casa de vender couro (de José Mota), a igreja de São Sebastião e muitas casas de residências. Alí, ao lado de A Nortista (casa de vender couro, de José Mota) estava a Sorveteria Pinguim, pertencente a Mário de Oliveira Lima, filho de Francelino Oliveira e Maria de Oliveira Lima (primeira mulher a fazer parte do Conselho Municipal e cuidadora da igreja
de São Sebastião). Mário era casado com Ivete França, vinda de Major Isidoro.. Era fabricante de picolés de inúmeros sabores, do maracujá ao coco, passando pelos de castanha, maçãs, amendoins, chocolate. E que dizer dos sorvetes? E do combinado, chamado de Pinguim, sempre de coco, uma outra fruta, coberto com doce de banana em rodelas! Com calda. A usar uma expressão da época: era a coqueluche da sorveteria.
TEMPOS DIFÍCEIS
Mas, a Sorveteria Pinguim não era tão somente uma casa de lanches, também com uma inigualável cartola. Era a história viva de Arapiraca. Em sua frente, à noite, presenciou o assassinato brutal do deputado Marques da Silva; assistiu a morte de Antônio Ferreira Barbosa (o Antônio da Gaba) e o assassinato do ex-prefeito de Campo Grande, José Paulo Moura. Ou a sentinela do ex-delegado e major Vicente Ramos, na igreja de São Sebastião.
E que dizer das reuniões políticas: muitas noites, até as madrugadas, reuniam-se políticos, como o depois deputado Nascimento Leão, o advogado Sebastião de Oliveira Lima, o promotor de justiça José Martins Filho (pai do hoje ministro do STJ, Humberto Martins), Manoel Lira e o, depois, deputado José Pedro. Ao sabor de cafés e tragadas de cigarros, discutia-se a política arapiraquense, antes udenista e pessedista, depois, arenista e emedebista.
A Sorveteria Pinguim, a maior casa de lanches de Arapiraca, foi a casa de Gonzaga (o maior sorveteiro), de Jacy, do Gerson, do Boca, do Antônio da Pipoqueira e de Melquiades França, que foi gerente, além de Zequinha Francelino (José Francelino Filho, irmão do Mário, e sargento da reserva da Marinha). E que dizer de Floriano França, pai de Dona Ivete? A lembrar, também, de Manoel “engraxate”, figura que vivia intensamente o dia a dia de
Arapiraca. Em tempo: saudades de assistir, todos os domingos à noite, o desfile ao redor da praça da juventude feminina arapiraquense (os do sexo masculino ficavam parados na calçada da praça, na maioria das vezes, tentando conquistá-las). Muitas vezes, antes da sessão do cine Trianon. Clareava os olhos e alegrava a mente dos rapazes da época. Muitas delas, desfilavam ao redor da fonte luminosa. A Sorveteria Pinguim, sem dúvida, está na memória dos arapiraquenses dos anos 60 até o fim do século XX. E está ainda muito viva.
MÁRIO DE OLIVEIRA LIMA (1921/1986)
Filho de José Francelino de Oliveira e Maria Oliveira Lima. Na infância contraiu poliomielite e passou a ser cuidado pelo avós maternos Rozendo Vieira e Melo conhecido como Rozendo Lima por ter nascido no dia de Santa Rosa Lima e Cristina Lima de Oliveira. Estudou no Grupo Adriano Jorge onde não chegou a concluir o curso primário. Ainda pequeno, teve paralisia infantil e, numa época de escassos médicos, ficou deficiente, com falta de mobilidade em uma perna.
A deficiência física não foi empecilho para o seu desenvolvimento. Desde jovem se destacava pelo seu empreendedorismo. Montou uma oficina de bicicletas onde consertava, alugava e vendia. Nessa época casou-se com Ivete França e teve 4 filhas. Resolveu investir no ramo de sorvetes e inaugurou a Sorveteria Pinguim localizado na Praça Marques da Silva onde comercializava sorvetes e picolés e o famoso combinado Pinguim com cobertura de doce de banana. Tudo era feito de forma artesanal. Durante décadas a Sorveteria foi o ponto de encontro da juventude e das famílias arapiraquenses e seu sabor permanece na memória afetiva de todos aqueles que tiveram a oportunidade de saborear.
Foi pioneiro no ramo de compra e venda de safras de fumo oferecendo financiamento para o plantio através de recursos privados do empresário Carlos Pimentel que tinha uma fábrica de charutos na cidade de Muritiba na Bahia (o fumo produzido em Arapiraca era a matéria prima utilizada no produto e exportado para vários países). Foi delegado de polícia, sócio fundador do Clube dos Fumicultores, diretor da Companhia Telefônica de Arapiraca e Conselheiro Político. Tinha uma memória privilegiada e era um exímio contador de histórias. Seus últimos anos foram vividos na chácara que pertenceu a seus avós cercado dos familiares, seus animais e pássaros de estimação.
IVETE FRANÇA – 1930/2018
Remanescente da tradicional família do fundador de Major Izidoro, de quem é bisneta, e filha do comerciante Floriano de Oliveira França e Flora Bezerra França, Ivete nasceu em 10 de maio de 1930 e chegou em Arapiraca em 1937, quando seu pai aceitou o convite da administração da empresa Companhia Comércio e Construção (CCC) A adolescente Ivete França, uma criatura de fácil comunicação, extrovertida e com alegria contagiante, cativava a todos que frequentavam o Hotel Brasil, que além da clientela normal, recebia também os desportistas de Arapiraca, principalmente os torcedores do
Flamengo. Ivete França sentia-se feliz, e misturava-se à juventude da época para defender ardorosamente o seu clube de coração. Com a sua grande popularidade, conseguiu um vasto círculo de amizade, participando intensamente da vida social de Arapiraca: Festa da Padroeira, novenas de São Sebastião, Festas Natalinas, Ano Novo, solenidades religiosas da Semana Santa, novena do mês de maio, Festas Juninas e os grandes Carnavais da década de 1940.
Além de todos esses eventos, em 1944, Ivete França participou das manifestações organizadas pela presidente da LBA (Legião Brasileira de Assistência), Margarida Oliveira, na Segunda Guerra Mundial, quando a juventude foi convocada para participar da campanha filantrópica em prol dos soldados de Arapiraca que lutavam nos campos gelados da Itália e necessitavam de agasalhos. Após seu casamento com o jovem Mário Lima, em 1950, Ivete França
mostrou mais uma faceta de sua personalidade – a sua extraordinária capacidade de trabalho. Atuando ao lado do seu esposo, instalou a Sorveteria Pinguim na praça Dep. Marques da Silva, que passou a ser novo ponto de encontro da cidade. (Extraído do Memorial da Mulher de Arapiraca). Era torcedora ferrenha do ASA e do Flamengo carioca.
ANTONIO DA PIPOQUEIRA
Antônio Limeira da Silva, o “Tonho da Pipoqueira”, nasceu em Lagoa de São José/PE, chegando em Arapiraca/AL em 1948, aos 3 anos de idade. Estudou no Grupo Escolar Adriano Jorge e no Instituto São Luís. Adolescente, aos 15 anos de idade, começou a trabalhar na Sorveteria Pinguim, vendendo picolés e sorvetes (até no Mocambo, hoje Feira Grande, vendia picolés aos sábados, dia da feira).
Algum tempo depois, Ivete França e seu marido, Mário Lima, adquiriram uma pipoqueira elétrica e ele ficou encarregado de vender pipoca na frente da sorveteria. Em 1962, os proprietários transferiram a pipoqueira para a “Praça da Prefeitura” (atual Praça Luiz Pereira Lima) e em 1970, Dona Ivete França ofertou a pipoqueira elétrica para o “Tonho”. Em uma determinada noite, quando tinha 10 anos de idade, foi dormir sem problemas nas pernas e quando acordou sentiu que suas pernas estavam “encruzadas”, permanecendo até hoje com essa deficiência física, as pernas cruzadas num X. Numa época de Santa Missão, com as presenças de Frei Damião e Frei Fernando na Igreja de Santo Antônio, no bairro de Cacimbas, ao “Tonho” foi determinado que andasse normal, sem o cruzamento das pernas. E assim foi feito: ele caminhou normalmente por algum tempo. Frei Fernando
o havia hipnotizado. Para muitos leigos, era um milagre!
MANOEL FERREIRA LIRA: A PROMESSA DO ENGRAXATE
Ele era conhecido por todos que frequentavam a Sorveteria Pinguim. Seu nome? Manoel Engraxate, ou, simplesmente, “seu” Mané. Sobrenome? Ninguém sabia. Origem? Uns diziam ser de Pernambuco; outros, paraibano. Havia, ainda há, aqueles que acreditam ser alagoano mesmo.
“Seu” Mané, pitando cigarro de fumo de corda, passou com sua cadeira de engraxate pelo bar do Calila (Ulisses Pedro da Silva), que ficava no prédio do
lado direito da Igreja Nossa Senhora do Bom Conselho, hoje do Santíssimo, Sinuca do Dedé (no mesmo prédio), Depois, onde hoje é o Hotel Falcão. Finalmente, na Sorveteria Pinguim.
Rude, analfabeto, porém sincero. Ouvia muito, e falava muito. Um dia, ainda pela manhã, as portas da Igreja de São Sebastião estavam abertas – uma ou duas pessoas na entrada.
-Que é aquilo, “seu” Mané. Perguntei.
-É um caixão de defunto, com aquele traste dentro!
-Quem era o traste, indaguei.
-O major Vicente Ramos.
Surpreso com as palavras de “seu” Mané, matutei: major Vicente Ramos, da reserva da Polícia Militar de Alagoas, ex- -delegado de polícia de Arapiraca, era conhecido com um militar destemido, que junto com a família Lúcio e o deputado Marques da Silva, haviam enfrentado os Pereira (Luís Pereira, pai,
Claudenor e Cláudio Lima, filhos, com outras pessoas, num tiroteio na praça Manoel André). Mas, por que “seu” Mané tem tanta raiva do major Vicente
Ramos, principalmente agora, morto?
Ele não me disse. Soube por terceiros: um dia, quando ainda era engraxate no bar do Calila, dois soldados levavam escoltado um homem para a delegacia, que ficava na rua da Quitanda. O preso estava muito bêbado. “Seu” Mané, sarcástico, saiu com essa:
-É preciso dois homens para carregar preso um soldado.
Assim mesmo, trocando tudo. Silenciosos, os soldados ouviram aquela lorota e, nos ouvidos do delegado Vicente Ramos, contaram que foram destratados pelo engraxate. Major Vicente Ramos, que era tenente, à época, mandou que os mesmos soldados levassem o engraxate à delegacia.
-E aí, senhor, meus soldados são bêbados, e prendem um homem de bem!
“Seu” Mané, calado chegou, calado ficou. Não deu nenhum pio.
Disse o delegado;
-Olha, vou lhe aplicar uma lição.
E o delegado mandou que “seu” Mané carregasse toda a terra retira de uma cacimba e a depositasse lá nas olarias. E assim foi feito por mais de quatro horas. “Seu“ Mané esbaforiu-se. Depois, o delegado Vicente Ramos, calmamente, entregou ao engraxate uma lata de mariola, dizente:
-Vai, coma tudo, você necessita, depois de trabalhar tanto!
Essa história, mentira ou verdade, nunca foi confirmada pelo engraxate. Mas, devido sua raiva deposita na presença do esquive do ex-delegado, parece ter sido verdadeira. E o olhar raivoso dele em direção à igreja era como uma afirmação. “Seu” Mané engraxate, figura folclórica da Sorveteria Pinguim,
por fim aceitou uma aposta em forma de promessa que fiz, pensando na figura do delegado:
-“Seu” Mané, vamos apostar: quem for primeiro para o outro mundo, volta e conta como são as coisas lá. Tá certo? Apostado?
O engraxate foi primeiro que eu. Mais de 30 anos atrás. Ainda estou esperando que cumpra a promessa.
MÁRIO LIMA E IVETE FRANÇA
Dona Ivete e Mário Lima faziam parte da sociedade arapiraquense. Ele, filho dos primeiros habitantes de Arapiraca; ela. vinda de Major Isidoro.
FLORIANO DE OLIVEIRA FRANÇA (1902/1990)
Nascido em Sertãozinho, município de Major Isidoro, ano de 1902, chegou em Arapiraca para trabalhar da Great Western, que construía os trilhos da Rede Ferroviária do Brasil, trecho Arapiraca – Porto Real do Colégio. Naquele tempo, assumiu o barracão que dava assistência aos funcionários da estrada de ferro, numa época em que inúmeros imigrantes deixaram a terra nata e se agregaram ao enorme contingente de funcionários da CCC.
Após deixar o trabalho, estabeleceu-se no Hotel Brasil, na então Rua Nova (atual praça Dep. Marques da Silva), onde a família passou a residir. Era um dos personagens da Sorveteria Pinguim, pai de Ivete França
Fonte: Eli Mário Magalhães e Manoel Lira
Produção Editorial: Roberto Baía e Carlo Bandeira